Sol de Inverno (Japão, 2024)
Título Original: ぼくのお日さま
Direção: Hiroshi Okuyama
Elenco principal: Keisatsu Koshiyama, Kiara Nakanishi e Sosuke Ikematsu
Duração: 100 minutos
Texto por: Carol Ballan
Apesar de ser mais difícil para um espectador sul americano conseguir acessar a sensibilidade de um filme japonês, Sol de Inverno utiliza a estrutura já conhecida dos dramas de amadurecimento para torná-lo mais global.
Conhecemos a história de um trio de personagens ligado por uma coincidência. Iniciamos a história com Takuya (Keisatsu Koshiyama), um jovem que parece não se adequar perfeitamente aos moldes de masculinidade usuais, tendo más performances nos dois esportes que pratica, baseball e hockey. Em seguida somos apresentados a Sakura (Kiara Nakanishi), garota um pouco mais velha e que sofre uma pressão parecida, mas voltada ao que se espera de uma mulher, e que tenta lidar com essas expectativas sendo perfeita na patinação no gelo. Por fim, adicionamos Arakawa (Sosuke Ikematsu), o técnico que chegou a ser profissional e que vem de uma cidade maior, sendo a figura de mentor para os dois jovens. Tudo isso acontece em uma cidade pequena do interior do Japão, longe do caos tecnológico de suas grandes metrópoles.
Esses caminhos se cruzam quando o rapaz permanece na pista de gelo após o treino de hockey e percebe a aula de patinação. Vendo os movimentos fluidos e delicados da patinação, ele passa a tentar repeti-los em seu treino, e então a relação entre essas três figuras começa a se solidificar.
Ao assistir o filme, um primeiro elemento que se destaca é como a delicadeza do esporte e dessas novas relações se traduz em movimento e imagem em tela. Das cenas incríveis da patinação que colocam esse início de uma adolescência como uma dança entre os dois jovens, com ambos começando a se soltar mais e confiar um no outro até a fotografia que evita contrastes extremos e traz uma granulação que causa nostalgia nos espectadores. Somos imersos nesse universo onde tudo parece quase etéreo, e sem o uso de aparelhos modernos, ainda temos algo como um conto atemporal, possível em qualquer momento do tempo.
A polidez também transparece em como o filme lida com as expectativas colocadas por essa sociedade japonesa. Aqui, não estamos falando apenas da obsessão pela perfeição e pela estrutura patriarcal bastante presente, mas também da consequência que isso tem em relação à homofobia. Infelizmente estamos tratando de um país que ainda não aprovou nem o casamento entre pessoas do mesmo sexo, então o tema permanece como uma espécie de tabu. Não à toa ele aparece tanto no cinema japonês, como uma maneira de purgar as aflições da população através da arte. Aqui, o casal homossexual aparece de maneira naturalizada, mas com a compreensão de que este é um relacionamento que acontece apenas em espaços privados. Não criticando o casal por isso, mas mostrando as consequências de momentos mais afetivos em locais públicos, o comentário fica colocado de maneira indireta, mas contundente.
Assim, utilizando uma fórmula relativamente conhecida de um garoto querendo praticar um esporte geralmente associado às mulheres, o filme consegue expressar as particularidades de uma sociedade japonesa que se recusa a se atualizar.
Texto por: Jean Werneck
Sol de Inverno: um aquecimento para a alma no gelo da vida
A chegada do rigoroso inverno em uma pacata ilha japonesa marca o início da temporada de hóquei no gelo na escola do jovem e desajeitado Takuya (Keitatsu Koshiyama). No entanto, seu desinteresse pelo esporte o conduz a uma jornada de autodescoberta quando ele se encanta pela patinação artística. Observando os treinos da talentosa Sakura (Nakanishi Kiara), sob a tutela do treinador e ex-campeão da modalidade Arakawa (Sosuke Ikematsu), Takuya encontra nos raios de sol do rinque de patinação uma forma de resistir ao clima gélido da estação.
A temática do coming of age – subgênero do drama que acompanha o processo de amadurecimento dos personagens – ganhou popularidade entre o público e a crítica na última década, à medida que debates sobre sexualidade, igualdade de gênero e saúde mental adquiriram relevância social. No entanto, filmes do cinema independente, como os recentes Close (2023) e Monster (2023), trazem propostas mais intimistas e artísticas dentro do gênero, em contraste com produções hollywoodianas de apelo comercial. Sol de Inverno, melodrama japonês que passou por festivais de cinema em 2024, como Cannes, Toronto e San Sebastián, se insere nesse primeiro grupo, com uma trama minimalista, porém emocionalmente envolvente, sobre autoconhecimento e acolhimento.
O diretor Hiroshi Okuyama – ainda pouco conhecido, com uma filmografia concisa de três longas-metragens e dois curtas – utiliza a patinação artística como um refúgio onde Takuya pode se encontrar. Ao abandonar os gestos bruscos dos outros esportes que pratica, ele enfrenta suas inseguranças quanto à fala e à delicadeza, aspectos ocultos pela timidez. Seu processo de crescimento interno é delicadamente conduzido pela direção, à medida que ele aprende a harmonia e o equilíbrio necessários para a coreografia no gelo. O filme expressa isso por meio da sutileza característica do cinema japonês, economizando nas palavras e priorizando as sensações em um lirismo visual.
Com uma fotografia vívida e granulada, e Clair de Lune como tema principal da trilha sonora, Sol de Inverno evita nomear os sentimentos de Takuya, assim como os de Arakawa e Sakura, permitindo que o público sinta as camadas de suas emoções em vez de ouvi-las explicitamente. Essa incerteza sensorial transmite a complexidade do amadurecimento dos personagens, tanto no relacionamento consigo mesmos quanto nas interações entre eles. A forma como a direção alterna entre planos fechados e abertos, brincando com a iluminação natural, aproxima o filme de uma métrica poética.
Além disso, o que distingue Sol de Inverno de outros coming of ages mais tradicionais é a ausência de um desfecho definitivo que resolva os conflitos dos personagens. Não sabemos se Takuya continuará a se expressar por meio da patinação artística, se Sakura conseguirá lidar melhor com a pressão de ser perfeita ou se Arakawa está, de fato, em paz com seu passado para viver plenamente o presente. Tampouco sabemos que tipo de racionalidade ou resolução emocional eles desenvolveram durante os treinos para o torneio. O que sabemos, no entanto, é que a experiência os transformou, moldando suas essências para enfrentar a realidade. Por meio da relação triangular entre eles – representada na composição visual dos personagens, seja no ensaio ou na viagem de carro – estabelece-se uma conexão de confiança mútua, onde eles podem se sentir mais leves e acolhidos ao compartilharem esse ciclo solitário de inverno.
Por fim, é apaixonante a maneira como Hiroshi Okuyama degela qualquer coração soterrado pela neve com sua sensibilidade cinematográfica e sua pessoalidade narrativa.
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