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Carol e Jean

Crítica a Dois | Coringa: Delírio a Dois

Atualizado: 7 de out.

Coringa: Delírio a Dois (EUA, 2024)


Título Original: Joker: Folie à Deux

Direção: Todd Phillips

Roteiro: Scott Silver, Todd Phillips e Bob Kane

Elenco principal: Joaquin Phoenix, Lady Gaga, Zazie Beetz, Ken Leung, Catherine Keener, Brendan Gleeson, Harry Lawtey, Steve Coogan e Jacob Lofland

Duração: 138 minutos  


Texto por: Carol Ballan

Quando estamos lidando com uma adaptação de um personagem, é necessário pensar profundamente no que esse personagem representa. Por exemplo, temos várias versões do Batman, mas em todas elas ele passa por algumas coisas que o tornam o protetor sombrio de Gotham: o assassinato de seus pais, o dinheiro ilimitado e uma moralidade muito clara, mesmo que existam versões do Batman que matem outros personagens e outras que se neguem a matar.


Joaquin Phoenix e Lady Gaga em cena do novo filme do Coringa

O Coringa é essencialmente o personagem niilista, que nega a moral por entender que todas as pessoas só estão a um momento de ter o pior dia de suas vidas e entender o seu ponto de vista sobre o mundo. Independente de sua história de origem, o que costuma caracterizar o personagem é a sua falta de interesse nas normas convencionais para viver sua vida de acordo com o seu próprio desejo. Isso combinou bastante com o Coringa de 2019, que brincando com referências a O Rei da Comédia (1983) consegue criar um personagem complexo, mas que acaba se entendendo como alguém fora da norma social. Então, uma vez fora dela, simplesmente cede aos seus desejos e comete seus crimes.


Assim, quando começamos o novo filme, já é um pouco estranho ver o Arthur Fleck de volta, uma vez que quando essa linha é cruzada, o personagem raramente volta a um ponto de normalidade. Mas voltamos a ver o homem frágil e até indefeso, ainda nos questionando se ele não é um personagem criado apenas para sobreviver à prisão. Vemos ele se apaixonar por Lee (Lady Gaga), ou Harleen Quinzel, que também não aparece como a psiquiatra enlouquecida pelo paciente, mas sim uma fã que o conhece na cadeia, presa por colocar fogo na casa de seus pais. E na medida em que ele se apaixona, é esse o motor para o retorno de sua persona Coringa.


É nessa paixão que também se baseia toda a parte musical, com os delírios a dois colocados no título acontecendo nesses interlúdios descolados da realidade. O que não é nenhum problema, por ser um filme ficcional com regras próprias, mas que se torna um pouco triste quando percebemos que as cenas musicais são um tanto monótonas. Fica muito claro que elas só estão ali para cumprir um papel de transição entre dois momentos, sem grande peso narrativo por si só. É óbvio que Lady Gaga canta maravilhosamente bem, mas utilizar isso sem um grande propósito é uma ofensa ao seu talento.


Mas o maior problema da obra é como ele cria todo um universo apenas para contradizê-lo. É claro que com muito dinheiro e muita publicidade envolvida, o resultado seria uma obra tecnicamente excelente, com figurinos reimaginados a partir dos clássicos dos personagens, maquiagem marcante que provavelmente se tornará moda do Halloween e a fotografia que brinca com a luz e sombra para revelar e esconder personagens. O maior problema é pensar nessa continuação sem entender como a Gotham caótica que Coringa deixou na obra anterior se tornou algo organizado a partir do momento em que ele foi preso em Arkham. Soma-se a essa falta de continuidade do universo a falta de continuidade do próprio personagem, que não consegue seguir nenhum dos caminhos propostos e fica em uma eterna dúvida que não parece existencial, mas sim proposital para evitar o findar do filme.


O resultado final é um filme que poderia ter não sido feito e deixado o primeiro Coringa funcionar sozinho, dado que seu roteiro e lógica são muito mais estruturados do que o que é criado nele. 



Texto por: Jean Werneck

Joaquin Phoenix fica loucamente apaixonado por Lady Gaga e coringa novamente na sequência musical de Todd Phillips. 


Depois do surto eufórico que o levou a cometer um assassinato em rede nacional, Arthur Fleck (Joaquin Phoenix) fica encarcerado em Arkham enquanto espera pelo julgamento de seus crimes. Em meio aos comprimidos e cigarros de sua miserável rotina, ele encontra a desequilibrada Lee (Lady Gaga) e, gradativamente, seus ataques de dupla personalidade como Coringa voltam a assombrá-lo.



Sucesso de público e crítica com sua controversa versão sobre a origem de um dos vilões mais conhecidos da cultura pop, Coringa estreou em 2019 ovacionado no Festival de Veneza e rendeu a Joaquin Phoenix o primeiro Oscar de sua carreira pelo papel do palhaço. Sem perspectivas de uma continuação, os fãs foram surpreendidos com o anúncio da sequência e, mais ainda, de que o segundo filme seria um musical, com Lady Gaga interpretando a infame Arlequina. Depois de reações mistas no Festival de Veneza 2024, o longa chega aos cinemas e passa longe de ser o filme que os fãs esperavam. Mas, afinal, isso é bom ou ruim?


A ideia de dar continuidade à história de Coringa nas telonas com um musical originou-se de um sonho de Phoenix, no qual ele interpretava o personagem cantando em um palco. O ator, então, compartilhou a ideia com Phillips, que topou, e logo o projeto começou a ganhar forma. Aqui começaram os problemas de Coringa: Delírio a Dois. Isso porque os números musicais, com referências aos clássicos hollywoodianos do gênero, realmente parecem sonhos, mas um desses sonhos em que as cenas são desconectadas umas das outras. A ousadia de substituir a atmosfera violenta e sombria do original pelo romantismo e musicalidade da continuação não é a questão em si, mas sim o modo como isso é executado pelo roteiro, comprometendo a coesão da narrativa. Fica claro que o diretor encara as cenas musicais como devaneios de um casal ensandecido por uma fantasia escapista criada para protegê-los da abominável realidade. No entanto, esses devaneios não fluem e são inseridos de maneira quase antológica pela montagem.


Além disso, a novidade musical não é a única ideia que se sobressai em Coringa: Delírio a Dois. O anúncio de Lady Gaga como Arlequina foi um dos grandes destaques da divulgação da produção. Os pôsteres e até mesmo a escolha do subtítulo da obra mostravam a personagem não só como um par romântico, mas também dividindo o protagonismo com Coringa. Apesar disso, o que vemos em tela é o contrário. Lee é escanteada em boa parte da trama, tornando-se um acessório do enredo sem um arco dramático próprio. Esse movimento faz parecer que o motivo da inserção de Arlequina ser representada por uma figura popular como Gaga foi mais uma estratégia de marketing do que outra coisa.


Mesmo com excessos desproporcionais, ainda existe um bom filme escondido em algum lugar de Coringa: Delírio a Dois. Os debates sobre a sociedade do espetáculo e o processo de transformar figuras mentalmente desequilibradas em celebridades — algo cada vez mais frequente no entretenimento cultural — revelam reflexões interessantes fomentadas pela produção. O curta animado que abre o filme mostra Arthur Fleck cada vez mais assombrado pela forma carismática como Coringa cativa o público em detrimento de sua sanidade mental. Os guardas que oferecem cigarros para que Fleck faça piadas, o filme ficcional feito a partir de sua vida, o programa de entrevistas que capta cada um de seus delírios e o julgamento televisionado que atrai admiradores da persona do protagonista ressaltam essa obsessão social doentia. A direção de Fleck demonstra que a parte mais louca de todo esse show é a plateia, que transforma assassinos em mártires e dá a eles o palco que seu narcisismo reivindica.


Portanto, não, Coringa: Delírio a Dois não é o que esperávamos que ele fosse. Possivelmente, ele vai te surpreender positiva e negativamente. Ainda assim, toca a essência de seu personagem-título com outra bela performance de Phoenix e traz discussões atuais, mesmo que essas estejam ofuscadas por excessos.



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