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Foto do escritorJean Werneck

Crítica | FFI | Memórias de Um Corpo Que Arde

Memórias de Um Corpo Que Arde (Espanha e Costa Rica, 2024)


Título Original: Memorias de un Cuerpo que Arde

Direção: Antonella Sudasassi

Roteiro: Antonella Sudasassi

Elenco principal: Liliana Biamonte, Paulina Bernini Viquez, Leonardo Perucci, Juliana Filloy Bogantes

Duração: 90 minutos



Docudrama espanhol acerta na relevância das histórias femininas que quer contar, mas não em como contá-las. 


A partir do relato de três mulheres sobre a repressão sexual e social que viveram durante parte do século XX, a diretora Antonella Sudasassi mescla ficção e documentário para ressaltar como as mulheres podem se redescobrir e pensar fora dos papéis de gênero em qualquer idade, conhecendo mais sobre si mesmas e umas sobre as outras.




A filmografia de Antonella Sudasassi, composta até o momento por dois longas-metragens e dois curta-metragens, tem ênfase no famoso female gaze, ou seja, a representação da mulher e de suas narrativas a partir do seu próprio olhar. Memórias de Um Corpo que Arde, em particular, tem um caráter pessoal para a realizadora, que é esclarecido na primeira cena. A concepção do filme parte de uma última conversa que Sudasassi gostaria de ter tido com sua avó. A partir disso, ela coordena entrevistas com mulheres próximas à idade de sua matriarca e constrói um docudrama que dialoga com as histórias relatadas. É aqui que surge o problema.


Para integrar a narração à mise-en-scène, Sudasassi transforma tudo o que assistimos em tela em uma superficialidade banal que poderia ser descartada sem comprometer a compreensão do que está sendo ouvido. Assim, se por acaso o projetor do cinema estivesse desligado, teríamos quase a mesma percepção sobre o longa. A imagem torna-se apenas a representação visual de tudo o que estamos ouvindo, eliminando não só a complexidade e a completude do cinema como uma arte, mas tornando-a dispensável. Claro, a diretora ainda tenta criar uma movimentação de câmera dinâmica e conectar os cenários com transições suaves para aludir à memória descrita por essas mulheres. No entanto, o esforço se torna em vão, e a lamentável constatação é que as filmagens, centrais na sétima arte, não acrescentam nada à experiência cinematográfica do espectador.


A forma é definitivamente frustrante, mas e quanto ao conteúdo? Memórias de um Corpo que Arde aborda temáticas socialmente relevantes, como a libertação sexual feminina, a violência doméstica e o autoconhecimento em contextos marcados por normas binárias. As confissões das entrevistadas revelam tudo isso com organicidade e catarse. Entretanto, há a sensação de que Sudasassi escolheu uma fatia seleta do grupo de mulheres no processo de amadurecimento, em vez de representar o panorama completo. A valorização dessas narrativas é importante e indiscutível, mas a representação em destaque pode ser reduzida se considerarmos tantas outras histórias distintas que foram deixadas de fora. O que está sendo engrandecido não é a multiplicidade do envelhecimento da mulher, mas um recorte específico de perfil. Não se pode afirmar se a cineasta faz isso porque essas personagens lembram sua falecida avó ou se é uma projeção da conversa que ela gostaria de ter. Porém, mesmo que essas diretrizes do enredo se aproximem de uma parte do público, também se afastam de outra.


Portanto, Memórias de um Corpo que Arde encontra a magia do cinema como uma arte terapêutica que nos permite acessar realidades ficcionais para lidarmos com as realidades pessoais e, por outro lado, perde essa mesma magia ao desconsiderar o que o cinema é em sua essência: uma arte plural capaz de se conectar com histórias plurais.


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