Máquina do Tempo (Irlanda e Reino Unido, 2022)
Título Original: Lola
Direção: Andrew Legge
Roteiro: Andrew Legge e Angeli Macfarlane
Elenco principal: Emma Appleton, Stefanie Martini, Theodora Brabazon Legge, Francesca Brabazon Legge, Eva O'Brien, Rory Fleck Byrne e Aaron Monaghan
Duração: 79 minutos
Em seu longa-metragem de estreia, Andrew Legge revitaliza a viagem no tempo a partir da técnica do found footage abordando o revisionismo histórico.
Em 1938, as irmãs Thomasina (Emma Appleton) e Martha Hanbury (Stefanie Martini) inventam uma máquina capaz de sintonizar produções de rádio e TV do futuro, a qual chamam carinhosamente de Lola. Espantadas ao descobrir os horrores que seriam noticiados pelo regime nazifascista no ano seguinte, elas começam a mudar o curso da história trabalhando com o governo britânico para tentar conter os danos ocasionados durante a Segunda Guerra Mundial.
Os três primeiros curta-metragens do Andrew Legge — The Universal Inventions of Henry Cavendish (2005), The Chronoscope (2009) e The Girl With the Mechanical Maiden (2013) — se ambientam em ficções científicas de época que trazem as invenções de seus protagonistas como os ponto-chaves para o desenvolvimento de seu conflito dramático. Máquina do Tempo, primeiro longa-metragem de Legge que chamou a atenção no Festival Internacional de Locarno 2022, também não foge a esse estilo sci-fi histórico. No entanto, destaca-se por utilizar a técnica formal do found footage para imergir o espectador sensorialmente em sua narrativa.
O found footage, ou "fita encontrada", seguindo a tradução livre, é associado principalmente ao gênero de terror no cinema, como evidenciado por filmes como A Bruxa de Blair e Creep. No entanto, Máquina do Tempo ousa tirar o found footage desse lugar comum e o utiliza como uma forma de revitalizar uma temática já batida na ficção científica: a viagem no tempo. Andrew Legge retorna ao arquétipo narrativo com o qual já está familiarizado em sua filmografia, mas sob um formalismo arriscado. A fotografia em preto e branco com baixa resolução, a montagem fragmentada com intervalos curtos entre cortes e a edição de som estilizada são elementos sensoriais que podem gerar estranheza na sala de cinema. E, em alguns momentos, geram. O excesso de estímulos e a precarização da composição visual em prol de uma identidade estilística por vezes dificultam a conexão com a trama. No entanto, é preciso reconhecer que parte importante da experiência cinematográfica do longa reside também em seus ousados excessos formais e nas sensações que provocam. Dessa forma, a criatividade da direção funciona como uma faca de dois gumes, ora enriquecendo, ora esvaziando a experiência.
Enquanto o formalismo estrutura visual e sonoramente a experiência, a narração sob a perspectiva de Thomasina dá o empurrão necessário para que o público acompanhe o enredo fragmentado. Esse formato fragmentado resulta da composição de recortes semelhante à de um contador de histórias que ainda está decupando a narrativa e processando a sequência de memórias, como um narrador-personagem tentando se encontrar no espaço-tempo. Junto a essa percepção técnica criada pelo roteiro, a carga emocional de Thomasina em sua descrição nos leva a um revisionismo histórico da Segunda Guerra Mundial, seguindo o conceito padrão de que mexer com o presente gera consequências incalculáveis no futuro — exemplificado pelo apagamento do artista David Bowie como o conhecemos para a criação de um cantor similar que usa a música a favor da propaganda nazista. Todavia, o que realmente chama a atenção no recurso da narração em Máquina do Tempo é o caráter intimista que ele possui em relação à protagonista. Reorganizando a História de maneira trágica, Thomasina também escreve sua própria história de forma trágica. A fala “Salvando pessoas por aqueles que perdemos” traz um paralelo universalizado sobre os impactos da guerra na humanidade e nas perdas pessoais sofridas pelas personagens.
Por fim, Máquina do Tempo combina o drama com a ficção científica de maneira simples, enquanto tenta sincronizar o conteúdo com a forma de maneira complexa, destacando Andrew Legge como um cineasta autoral a ser lapidado.
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