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Foto do escritorJean Werneck

Crítica | Mostra de SP | Ainda Estou Aqui

Ainda Estou Aqui (Brasil, França e Espanha, 2024) 


Título Original: Ainda Estou Aqui

Direção: Walter Salles

Roteiro: Walter Salles

Elenco principal: Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Selton Mello, Maeve Jenkins, Antonio Saboia, Marjorie Estiano e Humberto Carrão

Duração: 136 minutos


Para além da chance no Oscar, nova aposta de Walter Salles personifica em Fernanda Torres o luto de uma nação marcada pelos horrores da ditadura militar. 


No início da década de 1970, no Rio de Janeiro, durante o período mais severo da ditadura militar, Eunice (Fernanda Torres) e seus filhos têm suas vidas mudadas para sempre quando o pai da família, Rubens Paiva (Selton Mello), é levado pelos militares e desaparece de um dia para o outro. Diante desse acontecimento, Eunice investiga o paradeiro do marido enquanto tenta se reinventar para seguir em frente.


família posando para foto em cena do filme ainda estou aqui

Adaptado do livro homônimo de Marcelo Rubens Paiva, filho caçula da família retratada, Ainda Estou Aqui nem chegou aos cinemas e já gerou grande expectativa. Após sua passagem por diversos festivais ao redor do mundo, como Toronto, San Sebastián e Veneza — onde levou o prêmio de melhor roteiro para Murilo Hauser e Heitor Lorega —, os elogios à performance de Fernanda Torres criaram expectativas de um possível representante do Brasil no Oscar, além de suscitar conversas sobre uma possível "reparação histórica" para Fernanda Montenegro — também conhecida como dama do cinema brasileiro e mãe de Torres. Em 1999, Montenegro foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz por Central do Brasil, também de Walter Salles, mas perdeu a estatueta para Gwyneth Paltrow, indicada pelo esquecível Shakespeare Apaixonado. Entretanto, para além dos rumores e expectativas apoteóticas, qual a real relevância da nova aposta de Salles para o cinema nacional e para a nossa memória histórica?


O roteiro, de fato, é uma força avassaladora. A adaptação de Hauser e Lorega capta com precisão a nostalgia e o reprocessamento das memórias do autor-testemunha que, por ser apenas uma criança na época, não compreendia plenamente o peso da história e como aquele dia rotineiro redefiniria o destino de sua família. O enredo retrata a dinâmica familiar com certa inocência. Rubens (Selton Mello) é visto como um ilusionista que faz a violência e a tortura psicológica do período desaparecerem como num passe de mágica, escondendo seus "truques" enquanto participa da luta contra o regime militar. Ele protege os filhos com a leveza de seu semblante: finge saber exatamente onde enterrou o dente de leite da filha para tranquilizá-la, joga pebolim com Marcelo mesmo quando seu coração está aflito e empresta sua camisa social para a filha que mais se parece com ele, enquanto é levado pelos militares, sem saber se voltará. A atuação de Selton Mello é marcante, não apenas por sua presença acalentadora, mas também pelo significado de sua ausência ao longo do filme.


Se Rubens é o ilusionista, Eunice (Fernanda Torres) é a assistente de palco que participa do espetáculo de resistência à ditadura com seu sorriso infalível. Inicialmente, ela participa dos movimentos políticos do marido de maneira indireta, preocupada principalmente em proteger a família. Porém, a repressão chega à sua casa, invadindo sua vida com uma ausência esmagadora. A transformação de Eunice se torna o centro da narrativa: seu luto é resoluto, inconformado, e ela persiste na busca por justiça, mesmo sabendo que pode levar anos. Ao mesmo tempo, mantém discrição, protegendo os filhos da verdade para poupar-lhes da dor que a consome. A entrega de Fernanda Torres é formidável. Sua vulnerabilidade, como na cena em que toma banho após dias de tortura, contrasta com sua serenidade, como na cena memorável em que, ao tirar uma foto para o jornal, ela ordena que todos sorriam para a câmera. Torres atinge uma amplitude impressionante em sua jornada como atriz, superando até mesmo outros grandes trabalhos seus, como em Jogo de Cena e Os Normais.


Ainda Estou Aqui, portanto, é um filme que se apoia fortemente nas atuações, destacando a trajetória de Eunice e, mais timidamente, a de Marcelo. Contudo, esses enfoques não limitam a narrativa; pelo contrário, a engrandecem. O processo de Eunice é um recorte que não fala apenas da dura história dessa família, mas também retrata tantas outras que sofreram com o sequestro silencioso e ilegalmente licenciado pelo regime militar, prolongando o luto por anos até que algo fosse feito — mesmo que apenas um reconhecimento dos crimes cometidos, que seguem impunes até hoje. O tratamento dessa delicada memória se deve, em grande parte, à genialidade de Walter Salles. O diretor retoma elementos do cinema carioca que conquistou o mundo com Central do Brasil e, junto a uma equipe talentosa, expande essa excelência para a fotografia, direção de arte, trilha sonora e figurino. São os pequenos detalhes que fazem de Ainda Estou Aqui um clássico instantâneo do cinema nacional.


Em conclusão, Ainda Estou Aqui reflete o processo de cicatrização das feridas deixadas pela ditadura militar, destacando a importância de figuras como Rubens e Eunice Paiva sob a perspectiva de seu filho. O filme se torna um marco para a história do país, para o cinema brasileiro e para todos que "ainda estão aqui". Diante de tudo isso, o que é uma chance no Oscar?


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