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Foto do escritorJean Werneck

Crítica | Mostra de SP | Oeste Outra Vez

Oeste Outra Vez (Brasil, 2024)


Título Original: Oeste Outra Vez

Direção: Erico Rassi

Roteiro: Erico Rassi

Elenco principal: Adanilo, Ângelo Antônio, Antonio Pitanga, Daniel Porpino, Rodger Rogério e Babu Santana

Duração: 97 minutos

Distribuição brasileira: O2 Play


Erico Rassi revisita a solidão dos anti-herois dos westerns no premiado Oeste Outra Vez 


Lançados à própria sorte em uma terra sem donzelas em perigo, pistoleiros do sertão de Goiás tentam reconquistar a honra e a dignidade que nunca lhes pertenceram em um ciclo de rivalidade e vingança. Contudo, entre as conversas de bar e as balas perdidas, eles encontram o sentido para sua vida despropositada na companhia solitária uns dos outros.


cena de faroeste brasileiro Oeste Outra Vez

O faroeste é um dos gêneros mais influentes e duradouros da história do cinema. Todos já assistiram a pelo menos um filme ou conhecem alguma referência dos westerns: cowboys que fazem justiça com as próprias mãos, o feno que cruza a estrada antes de um duelo emblemático ou uma das icônicas trilhas sonoras de Ennio Morricone. Clint Eastwood, Henry Fonda e John Wayne, atores que se tornaram o rosto do homem rústico em seu auge nos anos 50 e 60, compõem a tríade que formou o senso de moral e de civilização do povo americano por décadas e que se expandiu mundialmente com o alcance da indústria cinematográfica hollywoodiana.


Com o passar do tempo, o gênero ganhou novas nuances com o faroeste italiano, também conhecido pejorativamente como spaghetti, e os faroestes revisionistas, em alta com obras como Ataque dos Cães, Vingança e Castigo e First Cow. Oeste Outra Vez, longa de Erico Rassi que se destacou na ótima safra do cinema nacional deste ano, vencendo diversas categorias da 52ª edição do Festival de Gramado, insere-se nesse olhar revisionista ao subverter os arquétipos masculinos dos vaqueiros e adaptar essa ambientação árida para a realidade brasileira com refinamento técnico.


A única personagem feminina do filme logo deixa dois marmanjos para trás quando eles começam a brigar por ela, como se fosse um território a ser reivindicado. É interessante o modo como o roteiro de Rassi desafia essas noções de masculinidade com sarcasmo e leveza. O humor pousa de maneira tímida, mas está bem presente nos diálogos pontuais entre os pseudo justiceiros e arranca gargalhadas do espectador sem grandes pretensões, apenas expondo o quão decadentes são os homens que querem exercer autoridade sem ter qualquer respeito por si mesmos ou pelo próximo. Há um primo que não assume que foi deixado pela mulher, um matador de aluguel contratado que não sabe nem mesmo porque está perseguindo seu alvo, e o protagonista que entra em confrontos patéticos sabendo que não terá de volta o que foi perdido e que se acovarda quando se depara com suas fragilidades como ser humano. A ausência proposital de mulheres nesse caso engrandece a obra para que Totó — interpretado com brilhantismo por Ângelo Antônio — e todos os outros companheiros carentes recalculem o senso de si com a constatação de que o ideal de gênero é mais uma convenção do que uma identidade.


A angulação revisionista do enredo é embalada por referências a clássicos e por uma direção que utiliza recursos simples, mas significativos. Rassi explora um minimalismo formal com planos curtos e zoom-in, acompanhados por uma movimentação de câmera mais estática, até uma mise-en-scène mais dinâmica na hora dos enfrentamentos físicos e tiroteios. Há uma complexidade entre macro e micro destacada, principalmente, com planos-detalhes e planos gerais. Entre a aproximação e o distanciamento, Oeste Outra Vez ressalta o vazio, uma angústia representada pelos pistoleiros descentralizados em cena, que recorrem à violência e brutalidades para escapar de suas vulnerabilidades. Isso sem falar nas moscas sobrevoando o cenário, que traduzem a alma apodrecida dos personagens com uma linguagem similar à de Sergio Leone no icônico Três Homens em Conflito.


Oeste Outra Vez não apenas subverte a linguagem do faroeste, mas também reinventa o gênero com autenticidade, adaptando seu arcabouço clássico para o sertão brasileiro, onde a aridez da paisagem espelha a aridez emocional desses anti-herois. O filme, assim, transcende a homenagem e emerge como uma contribuição singular ao cinema brasileiro e ao faroeste revisionista. Como espectadores, estamos de volta ao Velho Oeste, mas não temos o mesmo olhar sobre ele e suas lendas.



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