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Foto do escritorJean Werneck

Crítica por 2 | Dias Perfeitos

Dias Perfeitos (Wim Wenders, 2023, Japão e Alemanha)


Nome Original: Perfect Days

Roteiro: Wim Wenders e Takuma Takasaki

Elenco principal: Koji Yakusho, Tokio Emoto, Min Tanaka, Masahiro Kômoto e Arisa Nakano

Distribuição brasileira: O2 Play

Duração: 123 minutos


Texto por Carol Ballan

Como todos os nomes de longa-metragens são escolhidos com uma razão e um objetivo, não seria diferente quando um grande diretor de cinema ativo desde os anos 1960 lança seu novo projeto. Somos transportados a Tóquio para acompanhar o questionamento do diretor alemão sobre o que seria um dia perfeito.



Inicialmente, é muito fácil para o público latino antipatizar com o protagonista da obra, Hirayama (Koji Yakusho). Um homem de meia idade extremamente silencioso, que mal responde às perguntas que lhe fazem e trabalha em uma profissão que a maioria dos brasileiros olha com maus olhos: limpar os sanitários públicos de Tóquio. A questão é que todo o projeto teve sua origem nesses mesmos sanitários, com o produtor japonês Koji Yanai chamando o cineasta Wim Wenders para conhecer a modernização realizada no sistema de banheiros públicos japoneses e o convidando a criar algo a partir dele.


Sinal de tempos modernos e conectados, temos um diretor alemão em um filme japonês com trilha sonora majoritariamente em inglês e quase sem falas. O que temos mostrado em tela é muito mais importante que o uso das palavras, que na realidade são facilmente substituídas pelos blues ouvidos em fitas cassete no carro usado para trabalhar.  E o que podemos ver são pedaços de sua vida, em uma narrativa que tenta exprimir a efemeridade sentida pelo protagonista a todo momento, explorando uma filosofia interna e sua consequência mesmo em uma cidade gigantesca e caótica como Tóquio.


Percebemos uma rotina que adquire ares de ritual dada a satisfação demonstrada em realizá-la. Do trabalho bem feito até como gastar seu dia de folga, aos poucos compreende-se a personalidade do personagem principal e é possível extrapolar a tela para sentir-se parte de sua busca por aquele momento perfeito no qual as luzes perpassam as folhas da árvore formando um padrão de iluminação que o personagem tenta capturar com sua câmera analógica. E a partir deste momento no qual o espectador se permite sentir mais do que racionalizar, Wenders e Yakusho conseguem compartilhar uma lição de vida sobre aproveitar os pequenos prazeres.


A sinergia criada entre ator e diretor permite que se explore uma intimidade do personagem que raramente é colocada em tela, entre suas maiores simples alegrias e a sua necessidade de otimismo para encarar a vida. As camadas de afeto que são criadas ao longo da narrativa, mesmo com as poucas palavras existentes, assim como o vínculo dos humanos com a música, fazem com que a obra se destaque do que é esperado em um momento em que a grande indústria do cinema vive dos excessos colocados em tela.


O contraste colocado entre a trilha sonora melancólica e o personagem que é honestamente bom funciona muito bem para relembrar sobre todas essas pessoas quase invisíveis e sem representação - e aí há a genialidade do personagem ser um trabalhador essencial e que trabalha com o lixo e os restos da humanidade. Fazer isso todos os dias e ainda permanecer positivo é um desafio, mas a simplicidade com a qual isso é demonstrado em tela traz uma mensagem esperançosa.


Um roteiro simples e poucos dias de gravação mostram que um ótimo filme pode ser feito mesmo sob as condições menos exuberantes. São os planos simples, com a fotografia que valoriza o dia-a-dia e todo o pensamento por trás da arte que conseguem transformar o simples no sublime, justamente como o personagem consegue fazer com a sua vida.



Texto por Jean Werneck

Com uma direção intimista de Wim Wenders, novo longa japonês evidencia a beleza do ordinário. 


Hirayama (Koji Yakusho), um faxineiro de uma série de banheiros públicos em Tóquio, mantém uma rotina regrada e comprometida com seu ofício. Consciente da simplicidade e efemeridade de sua existência, ele encontra na música, na literatura e na fotografia formas de apreciar o estilo de vida que escolheu para deixar o passado para trás. Em Dias Perfeitos, a sensibilidade da direção de Wim Wenders se encontra com o contemplativo ritmo do cinema japonês e resulta em uma obra sublime capaz de fazer qualquer espectador se fascinar pelas atividades mais corriqueiras do dia a dia. 



Conhecido por trabalhos intimistas sobre sentimentos belos e mal processados em seus personagens - como nos avassaladores Asas do Desejo (1987) e Paris, Texas (1984) - Wenders finalmente encontra na temperança de Hirayama a harmonia que deseja para si. A identificação do realizador com o protagonista fica evidente por ambos terem multifacetadas paixões pela arte. Essa delicada conexão entre a ficção e a realidade se expressa no singelo cotidiano captado pela câmera. O despertar natural de Hirayama com o som de seu vizinho varrendo a varanda sempre no mesmo horário, a higiene matinal antes de ir para o trabalho e a observação do ambiente ao seu redor durante o intervalo tornam os hábitos dele familiares a nós pela repetição, mas sem os tornar entediantes, o que só reforça a qualidade do cinema naturalista de Dias Perfeitos. Apesar do roteiro de Wim Wenders e Takuma Takasaki ser profundamente simples, o formalismo do longa enriquece o enredo de modo raro na sétima arte. 


Para além de uma montagem detalhista que concentra o público no aqui e agora, a trilha sonora diegética - que ocorre quando a fonte sonora está na cena e sendo ouvida conscientemente pelos personagens - funciona de modo pontual e essencial para compreendermos os sentimentos de Hirayama. Sempre que entra no carro, seja a caminho ou voltando do seu local de trabalho, ele põe uma fita diferente e acompanha a música silenciosamente. Esse momento se faz precioso porque é o que mais verbaliza a maneira como Hirayama - um homem introspectivo e de poucas palavras - se sente. A concisão da trilha sonora flui plena ao permitir que a edição de som preencha os outros momentos com ruídos e fenômenos sonoros que prendem nossa atenção com suavidade ao invés de apelar para sucessivos estímulos insignificantes. Desse modo, podemos descamar gradativamente  a narrativa até chegarmos ao passado do protagonista e suas instabilidades - que apesar de muito afinadas, persistem. 


A construção paciente do filme permite que cheguemos a reflexões profundas sobre nossas próprias vidas ao acompanhar essa fantástica vida dissecada em tela. Somos convidados a parar e entrar no ritmo meditativo de Dias Perfeitos, onde aprendemos a reprocessar acontecimentos em boas noites de sono, a nos desconectar do mundo a nossa volta para nos conectarmos com nosso interior e a entender que sessões de cinema de obras como essa podem ser tão eficazes quanto uma sessão de terapia.

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