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Foto do escritorCarol Ballan

Crítica | TIFF 24 | Ainda Estou Aqui

I’m Still Here (Brasil, França e Espanha, 2024) 


Título Original: Ainda Estou Aqui

Direção: Walter Salles

Roteiro: Walter Salles

Elenco principal: Fernanda Torres, Fernanda Montenegro, Selton Mello, Maeve Jenkins, Antonio Saboia, Marjorie Estiano e Humberto Carrão

Duração: 136 minutos


Doze anos após o lançamento de seu último filme, Na Estrada (2012), adaptação do livro de mesmo título, o diretor brasileiro Walter Salles retorna ao trabalho com o cinema com mais uma adaptação literária, mas dessa vez em sua terra natal. Recontando a história do livro de Marcelo Rubens Paiva sobre sua mãe, Maria Lucrécia Eunice Facciolla Paiva, ele utiliza toda sua expertise no audiovisual para falar sobre uma das mulheres mais importantes para a história recente do Brasil.


fernanda torres e outros atores posando para foto no filme ainda estou aqui

O livro de Marcelo Rubens Paiva já é excepcional em seu trato com a figura da mãe, dando uma visão de alguém muito próximo a ela e podendo colocar suas próprias memórias do pai na obra. Ele aproveita a situação de ser um excelente autor em uma posição privilegiada para fazer um tratado que mistura a memória pessoal, a história brasileira e o próprio assunto da memória e como ela pode se perder com o tempo. E Walter Salles entra neste mesmo sentido, adicionando sua qualidade cinematográfica a esta história que ele também conhece pessoalmente desde mais jovem. Para quem não conhece essa história, trata-se da consequência da abdução de Rubens Paiva pela ditadura brasileira e na consequência grave existente para a mulher que teve seu marido desaparecido.


Já no início do longa-metragem, quando os personagens ainda não estão conscientes do que lhes espera, cria-se uma imagem açucarada de suas vidas contando alguns dos episódios presentes nos livros. Mas já nesse primeiro momento se torna claro o quanto o diretor está envolvido em contar uma história brasileira, com toda uma estética e fotografia que remete ao Cinema Novo, com certa agilidade na montagem e textura na imagem. Conhecemos então uma família privilegiada, que mora perto da praia e que, apesar do histórico político do pai, não sabe muito sobre o que está acontecendo no país a não ser pelos breves relatos no rádio e televisão. Claro, aos poucos percebemos que esta é apenas uma fachada colocada pelos pais aos filhos mais jovens, para que eles não sofram com algo que está fora de seu alcance.


Conforme a trama avança, esses pequenos experimentos com a imagem vão tomando um caminho mais sóbrio, linear e objetivo. Mas por fazê-lo de maneira que a mudança estética também se relaciona com a maior seriedade da narrativa é sensato, e consegue transmitir a sensação da família de que os bons tempos tranquilos do passado passaram. As cenas ficam mais diretas quando a situação fica mais complexa. E, assim, quando o filme se encaminha para o seu fim e volta a ter certa mobilidade, a forma também passa por uma transformação, com cenas mais solares mas a mesma edição simples, gerando um arco para a própria estética.


A performance de Fernanda Torres também precisa ser comentada como um dos elementos que levam o filme ao sucesso. Criar uma personagem baseada em uma pessoa real já é um desafio, mas fazê-la desde o momento em que ela está feliz correndo pela praia até quando se está recriando a sua vida após o desaparecimento do marido é ainda mais complicado. Conseguindo se despir de si mesma para virar esta mulher que foi mãe, esposa, advogada, ativista e muitas mais coisas na vida, é entregue uma atuação fantástica.


O filme brinca com a questão da memória e esquecimento presentes no livro de maneira mais livre, muito a partir da trilha sonora dos que foram esquecidos na ditadura para apenas se tornarem herois após seu fim. Ainda assim, há uma reflexão um pouco mais aprofundada com a cena final que deixou parte da plateia às lágrimas. Mesmo para quem não conhece a história brasileira, é uma reflexão poderosa feita por uma atuação sensível, capaz de emocionar. Os créditos finais, que se passam dentro da casa vazia, também são um convite a lembrarmos dos espaços esvaziados das nossas memórias.


Se afastando um pouco do livro por conta de sua linearidade narrativa, o filme consegue alcançar o mesmo tipo de impacto. Se ainda estivesse viva, Eunice teria muito orgulho de poder ver sua história contada.


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