Anora (EUA, 2024)
Título Original: Anora
Direção: Sean Baker
Roteiro: Sean Baker
Elenco principal: Mikey Madison, Paul Weissman, Mark Eidelshtein, Lindsey Normington, Emily Weider, Vincent Radwinsky, Sophia Carnabuci, Brittney Rodrigues
Duração: 139 minutos
Anora é certamente um dos filmes mais comentados de 2024, e isso não aconteceu à toa. Da premiação com a Palma de Ouro no Festival de Cannes até a conquista das audiências em todas as suas exibições, parece que Sean Baker está firmando um caminho firme para a temporada de premiações convencionais - mesmo já sendo um queridinho dos admiradores do cinema independente estadunidense há um bom tempo.
Anora (Mikey Madison), ou Annie, como ela prefere ser chamada, é a personagem-título do longa, uma stripper que trabalha no Brooklyn nova-iorquino e vive a vida de uma garota de seus vinte e poucos anos, dividindo a casa com a irmã, tendo amigas e inimigas em seu local de trabalho e sendo muito bem resolvida quanto a ser uma trabalhadora sexual. Essa segurança já é um elemento refrescante na cinematografia atual, que pareceu sofrer uma onda conservadora em relação ao sexo e sexualidade, e o filme tem a tranquilidade de não tratar nenhum dos dois como tabus. Como o diretor já tem o costume de trabalhar com personagens marginalizadas sem olhar para elas com preconceito, o mesmo tratamento é dado aqui.
A vida da garota muda quando ela conhece Ivan (Mark Eidelshtein), um cliente do clube que ela trabalha que deseja ser atendido em russo. Como ela teve uma avó que apenas se comunicava nessa língua, ela atende o rapaz e sente que ganhou na loteria quando descobre que ele é filho de um casal muito rico, morando temporariamente nos EUA e gastando todo seu dinheiro em prostitutas (ela, no caso), drogas e festas. Ao melhor estilo Uma Linda Mulher (1990), ele pede uma espécie de contrato de exclusividade para passar todo seu tempo com ele, e a partir daí a relação toma novos rumos que têm reflexos na Rússia.
Algo que já é notável nos trabalhos anteriores do diretor e que aqui alcança um primor formal é sua capacidade de aproximar o público de seus protagonistas, que geralmente estão em um espectro mais cinza de uma situação estereotipada na cultura estadunidense: transexuais, pessoas pobres, prostitutas. Com uma edição relativamente simples e câmeras que tentam alcançar o belo até nas situações mais triviais da vida, nós realmente conhecemos Anora: entendemos a complexidade de sua vida, a mistura de sentimentos que ela tem em relação a Ivan, como os momentos de diversão que eles passam juntos são realmente apreciados por ela. Utiliza-se iluminação artificial colorida, luz solar fotogênica, roupas que brincam com o desejo do espectador, tudo para que tenhamos a mesma diversão que nos é mostrada através da magia do cinema. Mesmo quando a situação da obra se intensifica, essa plasticidade ajuda a se passar pelos momentos violentos de maneira até mais leve. E novamente, isso não é uma exclusividade desse filme, mas sim uma característica do diretor que aqui se faz presente em uma obra que parece alcançar maior público.
Algo encantador é a performance de Mikey Madison, atriz que já aparecia em alguns papeis de destaque mas ainda não tinha tido tal protagonismo. Annie consegue ser divertida, irônica, romântica, raivosa - e acreditamos em cada expressão da atriz no papel. É a junção de uma ótima atriz e um ótimo papel gerando uma atuação memorável e que certamente gerará novas possibilidades na carreira da atriz.
Com o término do filme, que é genuinamente divertido, entramos em uma reflexão sobre os reais valores das relações na atualidade, assim como as razões para determinados relacionamentos acontecerem. Pensamos em toda a mercantilização do afeto e nas consequências do sistema capitalista para as coisas mais simples, o que também dialoga com a filmografia do diretor, sempre focada em quem o sistema exclui.
É fácil compreender como ele se tornou um dos filmes queridinhos do ano: ele diverte de maneira quase descompromissada, mas possui uma reflexão profunda e complexa como plano de fundo.
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