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Foto do escritorJean Werneck

Crítica | Uma Família Feliz

Uma Família Feliz (José Eduardo Belmonte, Brasil, 2023)


Com lançamento simultâneo do livro e filme, Raphael Montes fecha o caixão do seu novo roteiro com um final infeliz.  


Casada com um advogado bem sucedido, mãe de gêmeas e grávida do seu terceiro filho, Eva (Grazi Massafera) comprou a felicidade do lar que os comerciais lhe venderam. Contudo, quando boatos de que ela machucou seus filhos colocam em cheque a aparência de sua perfeita familia, ela começa a duvidar de tudo e todos, inclusive dela mesma. Depois do sucesso da série Bom Dia, Verônica, adaptada do livro homônimo de Raphael Montes, o escritor e roteirista caiu nas graças do público e colocou o thriller psicológico em destaque na produção do audiovisual nacional. Essa aclamação trouxe altas expectativas para Uma Família Feliz, o que prejudicou a percepção do resultado. 

Em coletiva, após a cabine de imprensa, Montes explicou que seu papel como autor do livro e roteirista do filme o permitiu usar ferramentas diferentes para cada uma das artes. E que entre as ferramentas que buscou dominar no cinema estavam os detalhes provocativos da mise-em-scéne, que levam o espectador a rever a obra para absorver as observações perdidas na primeira experiência. Pois bem, é necessário discordar com genuína humildade dele a partir do ponto em que eu como público não tenho o desejo de rever a obra para apreciá-la, mas preciso, porque não foi possível entender as pontas soltas deixadas pelo roteiro. As mortes mal explicadas e os plot-twists do último ato são incoerentes com a construção da narrativa no primeiro e segundo ato e ignoram vários dos questionamentos deixados no público - seja o teor da relação de Vicente (Reynaldo Gianecchini) com suas filhas ou o trágico desfecho da falecida ex-esposa dele. Não só é oferecido um final inconsistente, como todas as subtramas são suprimidas para dar lugar ao elemento surpresa. 


Uma Família Feliz cai na armadilha de tentar incessantemente surpreender um público que já espera ser surpreendido por ser um suspense autodeclarado. Superar ou corresponder essas expectativas ao fazer o cinema de gênero transforma a emoção com o longa em um produto já confeccionado a partir do momento que olhamos o pôster ou assistimos ao trailer. Montes já havia trabalhado em roteiros de cinema antes na trilogia de A Menina Que Matou Os Pais - um true crime nacional com produção desastrosa - e aqui salva seu roteiro com o formalismo discreto e eficaz de José Eduardo Belmonte para dar o mínimo de espontaneidade para a sensação de suspensão que a obra pretende provocar. A direção também eleva as performances de Massafera e Gianechini ao esconder os reais sentimentos dos personagens com interpretações baseadas em máscaras sociais. Infelizmente, são apenas nesses elementos que esconder o óbvio funciona sem confundi-lo. 


Por fim, Uma Família Feliz é enfraquecido pelo que se esperava que fosse ser seu ponto forte: o roteiro. Uma identidade tão firmada no suspense não traz um bom exemplar do gênero. E a surpresa? Bom, a surpresa, de fato, temos, mas ela não é positiva.

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