Fúria Primitiva (2024, EUA, Canadá, Singapura e Índia)
Título Original: Monkey Man
Direção: Dev Patel
Roteiro: Dev Patel, Paul Angunawela e John Collee
Elenco principal: Dev Patel, Sharlto Cooper, Pitobash, Jatin Malik, Sikandar Kher, Sobhita Dhulipala, Pehan Abdul
Distribuição brasileira: Diamond Films
Duração: 121 minutos
Texto por Carol Ballan
É interessante perceber uma pessoa conhecida por seus trabalhos com atuação passando para o outro lado das câmeras, indo para o roteiro e direção. E nesse filme, que parece um projeto bastante pessoal de Dev Patel, ele assume as rédeas e trabalha também como ator principal.
Ainda que parta do clichê de vingança pela mãe assassinada, é a mistura das referências do cinema de luta de Bruce Lee, Bollywood e filmes de ação atuais como John Wick que leva a um resultado que foge do que poderia ser absolutamente genérico. O que Patel faz com excelente desenvoltura é conseguir desenvolver isso em um filme acessível a pessoas não-indianas, repassando por clichês existentes sobre o país e tentando retratar a sua versão de crenças hindus e o funcionamento social e político do país.
É esperto de sua parte aproveitar a sua projeção para pontuar algumas críticas em relação aos seus próprios trabalhos do passado, como a favela higienizada e os clichês musicais de Bollywood. Ele devolve isso ao mesmo público forçando-o a ler legendas em partes não faladas em inglês, explicando um pouco sobre o sistema de crenças do hinduísmo e fazendo o seu próprio comentário social sobre o modo que o país trata seus oprimidos. Se colocando no papel principal, apesar de ser uma escolha ousada para um primeiro filme, ele consegue dar essa voz a reflexões que parecem muito internas. Mas, ao mesmo tempo, faz com que espectadores se questionem sobre como ele funcionará se dirigir novos projetos, com outros protagonistas.
Existem momentos em que a direção é genial, como as cenas de treinamento de luta que utilizam um instrumento típico para dar ritmo ao que está acontecendo em tela - como uma espécie de Rocky e seu treinamento na Filadélfia. Ao mesmo tempo, percebe-se que temos um estreante como diretor nas principais cenas de ação, que apesar de mostrarem a violência de maneira mais emocionante do que estamos acostumados, cria jogos de câmera confusos e que fazem com que facilmente se perca o fio do que está acontecendo.
A obra sofre de um excesso que também parece natural para alguém que trabalha no audiovisual, mas está lançando seu primeiro projeto mais autoral. Há tantas camadas de críticas sendo feitas que, apesar de se compreender que todas elas levam ao mesmo ponto, não se consegue trabalhar nenhuma delas de maneira mais profunda. Tentando abarcar tudo em uma mesma obra, às vezes falta nela uma dose de silêncio e reflexão sobre seus próprios acontecimentos.
Temos a conclusão de que Patel faz um bom trabalho em sua estreia na direção, mas isso se dá principalmente pelo escopo do projeto. Fica no ar uma curiosidade sobre como ele vai seguir com sua carreira, como ator ou diretor (ou ambos), e uma honesta curiosidade sobre seus projetos futuros.
Texto por Jean Werneck
Com estreia de Dev Patel na direção, Fúria Primitiva clama por uma Índia desesperançosa e oprimida em meio a conflitos religiosos e políticos.
Após anos lutando em clubes clandestinos, a raiva reprimida de Kid (Dev Patel) chega ao limite quando traumas de infância ressurgem e levam o jovem lutador maltratado pela vida e pelas surras dos ringues a fomentar um plano vingativo contra as figuras poderosas que destruíram não só sua vida, como seu país. Em meio à opressão aterradora da realidade, Kid enfrenta tudo e todos para fazer justiça com as próprias mãos.
Quem Quer Ser um Milionário?, Lion: Uma Jornada Para Casa e A Lenda do Cavaleiro Verde. Esses são alguns dos títulos que consagraram Dev Patel como um ator renomado de Hollywood. Em Fúria Primitiva, ele se mantém no seu lugar comum, mas também assume a posição de diretor e roteirista de um longa pela primeira vez. Apesar de iniciante, a direção de Patel tem uma execução exímia. Uma montagem dinâmica, planos com ângulos desafiadores e referências estilísticas sólidas. Entretanto, não é na técnica que o filme necessariamente falha, mas na identidade e ambientação que o roteiro tenta explorar.
Fúria Primitiva é um filme pseudo indiano falado na maior parte em inglês e reprodutor da visão que os americanos têm do cinema desse país. Não à toa, se assemelha tematicamente à O Tigre Branco, um suspense da Netflix de 2021 que aborda a desigualdade social a partir de um olhar visceral da cultura indiana. Falar de um filme que retrata a Índia sob essa ótica pode ser um caso isolado, contudo se trata de um reducionismo recorrente que reforça estereótipos negativos sobre todo um povo. Não surpreendentemente, apesar de Dev Patel trazer representatividade para a obra, também está rodeado por uma produção hollywoodiana que também tem influência sobre as escolhas criativas para o resultado final. A influência hollywoodiana citada acima vai para além da inspiração de franquias de ação como John Wick para coreografar cenas de embate corporal ou maneirismo na iluminação, mas inunda o filme com essa linguagem cinematográfica genérica e altamente reproduzida em produtos do entretenimento industrial.
Essa é uma contradição do tecnicismo do cinema como indústria. Não há nenhuma falha visível ou erro de execução gritante, apenas o formato padrão que estamos tão acostumados a ver na telona que já não surte mais efeito significativo no público. A ausência de autoralidade da perspectiva formal torna o conteúdo um tanto quanto insípido. Somos capazes de lamentar as perdas de Kid, de acompanhar o quebra-cabeça da sua infância sendo montado ao decorrer das cenas e até desejamos a morte dos responsáveis pelo estado pueril da nação, mas não submergimos de fato na narrativa. A violência, o sangue, as ameaças, as injustiças causam impacto, só não se transformam em uma experiência para além da encaixotada para ser exibida em uma obra que só reafirma o senso de justiça do espectador, ao invés de verdadeiramente confrontá-lo.
Fúria Primitiva tem presença, de fato. É como quando Kid veste sua máscara de macaco e pensamos: vish, ele vai apanhar de novo. Só que diferente do personagem, que finalmente ganha uma das lutas, o longa não sai da mediocridade para receber o grito de nossa torcida.
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