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Carol e Jean

Críticas | Abigail e Sem Coração

Abigail (2024, Irlanda e EUA)


Título Original: Abigail

Direção: Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillet

Roteiro: Stephen Shields e Guly Busick

Elenco principal: Alisha Weir, Melissa Barrera, Dan Stevens, William Catlett, Kathryn Newton , Kevin Durand, Angus Cloud e Giancarlo Esposito

Distribuição brasileira: Universal Films

Duração: 109 minutos


Texto por Carol Ballan

De vez em quando, não assistir ao trailer de um filme pode ser o maior favor que você pode fazer a ele. Abigail é exatamente um desses casos. Se você não sabe absolutamente nada sobre o filme, por favor, pare de ler AQUI. Assista o filme e, depois, volte para ler. Mas se você assistiu pelo menos o trailer, pode continuar. 



É muito difícil tecer uma crítica desconsiderando que esse é, essencialmente, um filme de vampiro. Isso porque ele mesmo apresenta interesse em se colocar como tal, desde a referência aos filmes originais do Drácula com a trilha sonora de Tchaikovsky até com ele apresentar essa informação no trailer. Contanto, se o espectador vai ao cinema sem nenhuma informação, ele ganha uma força que seu próprio marketing ignora: o desconhecimento do perigo que os sequestradores correm quando começam a sua aventura e a mudança de expectativa quando a primeira transformação acontece.


Inclusive, brincar com os estereótipos do horror é o que o filme faz melhor. Das toneladas de sangue falso utilizadas, passando por “quem usa drogas morre antes” e chegando até um final completamente premeditado, ele não pretende quebrar regras e criar novas narrativas, mas sim criar um humor a partir do absurdo das convenções do gênero. Então, quando temos uma criança bailarina com diversas camadas de dentes dançando com um cadáver em seu tutu, não é esperado que isso esteja ligado a um fator de reflexão. É esperado que se dê uma forte gargalhada e abrace o absurdo do que está em tela.


A questão principal é quando a obra se perde em seu próprio tom e acaba excedendo a galhofa. Em um filme movido pelos excessos, é esperado que se tenha uma quantidade quase inesgotável de Plot twists. Mas quando o filme avança em sua duração, percebe-se que os próprios cineastas perderam o controle de quanto a sua narrativa pode ser alongada, tanto na questão de duração quanto nas possibilidades de seguir para novos ângulos.


A dupla de diretores se consagra dentro de sua proposta de narrativas de um horror cômico que não faz com que o espectador sinta que perdeu neurônios ao assistir. Ele cria um entretenimento honesto, despreocupado, e com litros e litros de sangue para quem busca uma violência extrema não preocupada com a classificação indicativa.


Sem Coração (2023, Brasil, França e Itália)


Título Original: Sem Coração

Direção: Nara Normande e Tião

Roteiro: Nara Normande e Tião

Elenco principal: Ian Boechat, Kaique Brito, Erom Cordeiro, Lucas da Silva, Maya de Vicq, Maeve Jenkins e Eduarda Samara

Distribuição brasileira: Vitrine Filmes

Duração: 95 minutos


Texto por Jean Werneck

Em coming-of-age brasileiro, Nara Normande e Tião dividem a direção à beira mar


Prestes a se mudar do litoral de Alagoas para Brasília para estudar, Tamara (Maya de Vicq) aproveita suas últimas semanas com seus amigos de infância com o pé na areia e cabelos ao vento. Contudo, quando uma menina apelidada de “Sem Coração” cruza seu caminho, as cicatrizes da juventude latejam em seu peito. Apesar de Nara Normande e Tião serem realizadores com poucos trabalhos em suas respectivas filmografias, Sem Coração teve estreia mundial no Festival de Veneza de 2023 e fez uma jornada de sucesso em festivais brasileiros, como a Mostra de São Paulo e o Festival do Rio. O longa não só segue com excelência as diretrizes estilísticas que se propõe, como faz um recorte autoral da brasilidade no cinema. 



Alagoas, verão de 1996. Normande e Tião partem dessa ambientação para construir a essência de suas personagens. A partir do olhar de Tamara, a direção alcança uma pluralidade de olhares e dilemas vividos no período infantojuvenil por ela e seus amigos. Amigos esses que, com a protagonista, formam um cardume e nadam juntos pelas praias litorâneas, buscando - ao mesmo tempo que evitando - seu futuro enquanto aproveitam a companhia uns dos outros. O roteiro cresce por demonstrar de modo formalista a dualidade entre a urgência de crescer para alcançar a famigerada liberdade adulta - transmitida pelas cenas em que eles invadem casas e têm contato com a pornografia e primeiras relações sexuais - e o medo do que lhes aguarda lá na frente - sejam preconceitos ou insegurança familiar e financeira. A tensão de passar por esse processo biológico e social do crescimento traz o estilo coming-of-age com a dose certa de drama. 


Essa ambientação, somada à temática bem angulada, alcança um envolvimento do espectador a partir de recursos técnicos e estilísticos. Sem Coração se enquadra em um recente grupo de longas nacionais - composto também por Noites Alienígenas e Saudade Fez Morada Aqui Dentro - que ressaltam a brasilidade regional a partir de uma direção de arte, trilha sonora e atuações intimistas, que não tentam vender uma imagem específica do Brasil, mas querem representá-lo na ficção como o enxergam, com suas qualidades e defeitos. O intimismo também se estende aos movimentos e enquadramentos da câmera, que estudam os personagens com curiosidade, sem um juízo de valor explícito sobre seus processos. A falta do juízo de valor no olhar da direção e na narrativa acaba também por deixar alguns símbolos com significado vago para o público. Os tiros inseridos pela edição de som em certas cenas e o caráter onírico de alguns trechos sem uma preocupação da montagem com seu contexto fazem com que a onda do mar colida com as poltronas do cinema, mas não as carregue em sua correnteza. 


Portanto, Sem Coração, apesar de navegar em situações cotidianas, não tem um papel resolutivo com seu roteiro e sim metafórico. Dentre as reflexivas metáforas, a ilustração de Tamara e seus amigos como peixes tentando encontrar espaço no mar enquanto são constantemente enredados em terra firme para os colocarem no aquário é a que martela em minha mente. 


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