Nome Original: The Color Purple
Roteiro: Marcus Gardley
Elenco principal: Fantasia Barrino, Colman Domingo, Taraji P. Henson, H.E.R., Danielle Brooks, Halle Bailley e Ciara
Distribuição brasileira: Warner Bros.
Texto por Carol Ballan
Estamos completando mais um ciclo cinematográfico no qual filmes se transformaram em musicais da Broadway e novas adaptações desses musicais estão sendo lançados como filmes. Além de A Cor Púrpura, nesse ano também foi lançado Meninas Malvadas, e estranhamente ambos tiveram uma divulgação bagunçada e que muitas vezes deixou de fora o fato de serem musicais. Talvez com medo de serem estigmatizados pelo gênero, acaba se criando esse círculo vicioso de criar filmes de um gênero específico que não tentam dialogar com o público fã desse gênero, o que já mostra uma falta de lógica geral.
No caso de A Cor Púrpura, o remake talvez faça até mais sentido considerando a progressão das causas raciais, feministas e LGBTQIA+ que na verdade englobavam a obra desde sua origem no livro de Alice Walker. Não à toa, ainda que não se possa discordar da qualidade do original dirigido por Steven Spielberg, desta vez a claquete do diretor foi passada para o ganense Blitz Bazawule, que ganhou notoriedade global ao co-dirigir Black is King. Há também mais espaço para o desenvolvimento da personagem principal Celie (Fantasia Barrino) em sua jornada de sofrimento, autoconhecimento e busca pela sua própria felicidade.
Exatamente por haver essa oportunidade, é difícil sair dos cinemas sem a sensação de que a obra se acovardou perante a esta nova responsabilidade. Ainda que existam alguns progressos, há uma espécie de abrandamento do peso das situações narrativas por conta do uso da linguagem musical. Muitas vezes, cenas importantes parecem ser diminuídas em duração e importância para correr para uma nova canção que não acrescenta tanto ao arco narrativo, mas que é pensada como um pedaço do espetáculo.
Fazendo um mea-culpa, acho necessário dizer que eu não sou a pessoa correta para fazer uma análise do filme sob o ponto de vista racial. Para isso, posso indicar o trabalho de colegas mais aptos a realizar tal discussão como o Tiago (link para crítica) ou a Carissa (link). Não se pode negar a importância de termos um filme majoritariamente realizado por pessoas negras e com orçamento e projeção para alcançar o grande público - mas eles conseguem abordar o tema de maneira muito mais certeira que eu jamais poderia.
Infelizmente, pensando pelo viés da militância LGBTQIA+, a obra não tem grandes avanços e segue sendo um tanto quanto branda em relação ao material original de Walker. Para além do não aprofundamento do relacionamento entre Celie e Shug (Taraji P. Henson), existe toda uma narrativa sobre o empoderamento da própria sexualidade e do afastamento do ciclo de abusos que segue sendo ignorado pelas adaptações cinematográficas. Escolhe-se um caminho de abrandamento que apenas reforça a sensação de que é prestada maior atenção ao apelo musical e visual do que na narrativa em si.
AVISO: ESSE PARÁGRAFO CONTÉM SPOILERS
Toda essa estranheza narrativa culmina no encerramento da obra, com a reunião de todos os personagens gerando a sensação de que não há nenhum tipo de consequência para as ações ocorridas em todo o filme. Uma espécie de tudo fica bem quando tudo termina bem que ignora os abusos e absurdos cometidos ao longo da narrativa para dar a ela um final mais feliz e esperançoso. A sensação ao sair do cinema é do desperdício de uma excelente oportunidade com um excelente elenco por conta da necessidade de adicionar as músicas e tornar a obra o menos dolorosa possível - algo que ela infelizmente nunca vai ser.
Texto por Jean Werneck
Em nova adaptação, a obra clássica deixa o drama empoderado para se tornar um musical afirmativo.
Celie (Fantasia Barrino), uma mulher afro-americana oprimida pelo racismo e vulnerabilidade social de sua época, é separada de sua irmã e filhos ainda jovem e obrigada a se casar com o desprezível Albert Johnson (Colman Domingo). Ao se manter perseverante e resiliente, ela encontra refúgio em outras mulheres que cruzam seu caminho. A Cor Púrpura se tornou uma obra bem sucedida na literatura, no teatro e no cinema, onde teve uma primeira versão dirigida por Steven Spielberg em 1985. Com uma nova adaptação, o diretor Blitz Bazawule despotencializa a essência do exemplar e apela para os clichês do gênero musical.
Uma abordagem ousada do amado clássico. Essa é a frase de efeito destacada nos pôsteres e divulgação do filme durante todo seu marketing. Mas o que seria ousado no filme em relação às abordagens anteriores? A escolha de ser um filme abertamente musical e mais otimista em relação a trajetória de Celie? Aqui não temos uma abordagem ousada, temos uma tentativa de se alcançar uma abordagem ousada. O prólogo inicial dilacerante da narrativa é substituído por um número musical dançante. Fica claro que essa nova abordagem está mais focada em provocar um espetáculo visual - por meio da fotografia dourada e canções poderosas - do que em imergir o espectador no sofrimento da protagonista e guiá-lo pacientemente até um renascimento de alma. A Cor Púrpura de Bazawule não quer potente e sim agradável. O que não seria problemático se não descaracterizasse as principais cenas que dão o tom emocionante do enredo para abrir mais espaço para passos de dança e discursos de auto-ajuda.
Para além da quebra de expectativa, o filme demonstra dificuldade em expressar sua autoralidade como realização individual. As passagens musicais tentam encontrar brechas para escapar do que já é conhecido sobre a história e transbordar criatividade. Contudo, acaba por mirar em uma linguagem cinematográfica estilizada e acertar na linguagem teatral equivocadamente. Há uma certa semelhança no estilo do longa com Hamilton - o famoso musical de 2020 filmado para as telas que mantém na estrutura dos palcos - por querer contar seu roteiro enquanto o canta. O resultado acaba por não fazer nenhum dos dois com excelência. Em meio a esse limbo de linguagens e estilos artísticos, o filme sabota os que deveriam ser os grandes momentos de representar o original ou se reinventar a partir dele e enfraquece sua veia dramática.
Substituir o apelo narrativo pelo apelo visual é o que enfraquece a readaptação ao invés de potencializá-la. É não ser corajoso como suas personagens para resistir e transcender às lutas e usar a música para fugir ao invés de confrontar a realidade. Suavizar os acontecimentos trágicos de A Cor Púrpura é como desbotar a cor latente que dá nome e significado à obra e, assim, prejudicar a experiência dos espectadores.
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