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Foto do escritorCarol Ballan

Críticas | Furiosa, Às Vezes Quero Sumir, De Repente, Miss!, Morando com o Crush e A Alegria é a Prova dos Nove

Furiosa: Uma Saga Mad Max (2024, Austrália e EUA)


Título Original: Furiosa: A Mad Max Saga

Direção: George Miller

Roteiro: George Miller e Nick Larhouris

Elenco principal: Anya Taylor-Joy, Chris Hemmsworth, Tom Burke, Alyla Browne, Lachy Hulme, John Howard, Angus Sampson e George Shevtsov

Distribuição brasileira: Warner Bros.

Duração: 148 minutos

Texto por Jean Werneck

No quinto longa da franquia de ação, George Miller revela as cicatrizes por trás da jovem sobrevivente Furiosa enquanto expande o deserto distópico da saga com um cinema épico. 


Sequestrada ainda criança do Vale Verde, Furiosa (Anya Taylor-Joy) conhece o Senhor da Guerra Dementus (Chris Hemsworth). Depois de ter sua infância destruída por ele, ela chega até a Cidadela, onde faz de tudo para escapar desse inferno desértico governado por homens para retornar ao paraíso abundante das Muitas Mães, mas não sem alimentar sua fome por vingança. 



Depois do sucesso absoluto de Mad Max: Estrada da Fúria - considerado por muitos a grande obra-prima do século XXI no cinema -, o anúncio da prequel que contaria a origem da personagem Furiosa trouxe a sensação de que não haveria imaginação que desse conta de fazer uma sequência à altura. Do outro lado da moeda, ou melhor, da estrada, uma curiosa expectativa crescia no coração dos fãs. George Miller, então, nos surpreende ao lançar um filme que não se preocupa em corresponder às nossas expectativas imaginativas, mas as tritura em alta velocidade. Tudo isso com técnicas estilizadas que atestam (mais uma vez) que essa franquia é um dos pilares centrais do cinema de ação contemporâneo. 


Furiosa realiza com maestria o feito almejado por muitos filmes spin-offs: Se desvincular de seu protagonista sem perder a essência do universo. O personagem-título se torna uma mera referência no longa para dar protagonismo a uma personagem que, até então, havia sido uma memorável coadjuvante. É interessante perceber que a descentralização de Max na narrativa não descaracteriza o deserto australiano feral que conhecemos, mas passa a ser figurado em um rosto diferente. A atmosfera feroz, extintiva, insana e voraz passa a ser concentrada nos riscos corridos pela anti-heroína Furiosa para retornar ao seu lar. 


Na mesma marcha que George Miller dirige as cenas de ação com uma decupagem estonteante que fazem de Furiosa um filme Mad Max - fico sem fôlego só de lembrar da sequência do ataque dos saqueadores ao caminhão metálico - ele reestrutura a ordem narrativa padrão dos longas anteriores ao roteirizar capítulos que organizam os acontecimentos sem tornar a trama previsível. Em diversas cenas me peguei pensando: “e agora?”, sem ter a mínima noção do que aconteceria em seguida. O roteiro é consciente de que o que importa em uma prequel não é O QUE vai acontecer, mas COMO vai acontecer. Sabemos que Furiosa chega à Mad Max: Estrada da Fúria e as aventuras que ela passa nesse futuro, mas ficamos ávidos em saber como isso acontece a cada cena loucamente perigosa de sua história de origem. 


Por fim, Furiosa carrega uma marca própria que o diferencia do restante da saga. Essa marca vai além de olhar o cenário apocalíptico degradante sob o olhar de uma mulher e as opressões masculinas sofridas por ela no decorrer de sua vida, mas se expande para o tom pessoal vingativo e redentivo da protagonista. Não nos interessa diretamente saber como terminou a Guerra dos Quarenta Dias ou como esses homens asquerosos continuam detendo os recursos básicos, mas sim como a personagem-título plantou seu ódio em terreno fértil para fazer justiça com as próprias mãos por todas as outras que sofreram, assim como ela. Miller subverte a relação brutal que temos com a narrativa pela melancolia do trauma ao deixar a perseguição de carros de lado no capítulo final para dar lugar para um dos melhores diálogos do cinema dos últimos anos. O silêncio da tortura psicológica e física se torna tão ensurdecedor quanto os estrondos das explosões na estrada e é isso que faz de Furiosa uma racionalidade selvagem. 


Textos por Carol Ballan

Às Vezes Quero Sumir (2024, EUA)


Título Original: Sometimes I Think About Dying

Direção: Rachel Lambert

Roteiro: Stephanie Abel Horowitz, Kevin Armento e Katy Wright-Mead

Elenco principal: Daisy Ridley, Dave Merheje, Parvesh Cheena, Marcia DeBonis, Megan Stalter e Brittany O’Grady

Distribuição brasileira: Synapse Distribution

Duração: 94 minutos


Os primeiros minutos de Às Vezes Quero Sumir, se você não tiver lido a sinopse, podem levar o espectador a pensar que se tratará de uma comédia de escritório, ao estilo The Office, mas com uma Daisy Ridley super introspectiva em relação aos seus colegas de trabalho. No entanto, não é necessário muito tempo para compreendermos que o tom é completamente diferente. Estamos vendo o mundo pelos olhos dessa personagem principal deprimida, e compreendendo aos poucos como funciona a sua mente em relação a como se relacionar com outros seres humanos.



É um estudo dessa personagem, que exige uma atuação complexa por sua simplicidade para Ridley, e a atriz consegue superar expectativas. Dos gestos contidos às sutis mudanças em seu modo de agir enquanto começa a conhecer melhor seu colega de trabalho, ele não exige mudanças de humor abruptas ou um exagero de nenhuma emoção. Mais do que isso, é necessário trabalhar a apatia, a dificuldade social, o sentir-se não pertencente e variar apenas entre querer ou não pertencer a esse grupo de pessoas. E conseguimos perceber isso mesmo com as poucas falas da atriz.


Além da forma artisticamente sensível de demonstrar os sentimentos da protagonista a partir de imagens que misturam sua realidade com o surreal, o filme consegue transmitir ideias completas a partir de detalhes, como a colega de trabalho que não sabe nem com quem seu colega é casado. A falta de detalhes sobre aquela cidade e sobre a tecnologia naquele momento do tempo também ajudam a criar uma estética atemporal para falar sobre um sentimento atemporal. A forma reflete o conteúdo.


Mesmo que não seja um filme com potencial de se tornar super-popular, é uma excelente reflexão sobre a humanidade em cada um de nós - e também uma chama acesa para apontar caminhos em relação à saúde mental. É uma ótima escolha da atriz para demonstrar capacidade em outras áreas além de Star Wars, com uma direção e fotografia que conseguem tornar o básico sublime. E um alento para todo o público que também se sente deslocado, causando aquele sentimento de pertencimento que apenas a arte é capaz de causar no ser humano.



De Repente, Miss! (2024, Brasil)


Título Original: De Repente, Miss!

Direção: Hsu Chien Hsien

Roteiro: Dani Valente

Elenco principal: Giulia Benite, Fabiana Karla, Danielle Winits, João Baldasserini, Nany People, Polly Marinho e Roney Villela

Distribuição brasileira: Elo Studios

Duração: 93 minutos


Se existe algo que poderia ser esquecido do início dos anos 2000 deveria ser o humor que aproveita minorias apenas para criar piadas preconceituosas a partir delas. Ainda que estejamos passando por um momento de retomada da estética do início do século no campo da moda, isso é repensado para caber na atualidade. E o mesmo poderia ser feito com o humor, mas infelizmente não é o caso de De Repente, Miss!.


A partir de uma ideia de falar sobre maternidade moderna e até de um certo momento de transição, Mônica (Fabiana Karla) é uma mulher próxima do seu aniversário de quarenta anos e que deixou de lado a carreira para cuidar dos filhos, que estão chegando na adolescência. Então, para celebração dessa data, seu marido planeja uma viagem para a praia para a família celebrar em conjunto.  A surpresa do roteiro é que chegando lá, Mônica acaba se envolvendo em um concurso de Miss em uma tentativa de reconquistar a admiração de sua filha.


O que poderia ser simplesmente genérico se perde com todas as piadas gordofóbicas ou relacionadas à competitividade feminina criada entre Mônica e a atual Miss do hotel, Flavia (Danielle Winits). O que poderia ser uma discussão interessante sobre as formas de buscar um equilíbrio em relação aos cuidados com filhos e o autocuidado vira uma competição entre uma mãe completamente negligente e outra que poderia fazer terapia para compreender que não precisa da aprovação de uma adolescente. Nessa falta de nuances, se torna difícil conseguir identificação com qualquer personagem, como se todos eles fossem esquetes de um programa de comédia ultrapassado.


Esse excesso é aumentado por situações quase constrangedoras no roteiro e direção. Nos primeiros momentos do filme é colocado um produto de um dos patrocinadores de maneira tão descarada que perde-se completamente o encantamento de que estamos vendo um filme, sendo transportados para a propaganda na televisão aberta. A trilha sonora complementa a situação, sendo presente em todos os momentos do filme e não permitindo um momento de silêncio e introspecção. Tenta-se abordar diversas questões realmente relevantes, como a exposição online de adolescentes, o amor de um casal após muitos anos juntos, a relação entre pais e filhos. Mas cada um desses elementos é completamente desconectado do outro, e o final se torna uma mistura de referências incomunicáveis.


 O único grande ponto fora da curva é a atuação de Fabiana Karla, que consegue entregar uma personagem carismática mesmo que estruturalmente mal escrita. Infelizmente é uma energia gasta em um projeto que possivelmente será logo esquecido pela falta de personalidade e humor duvidoso.


Morando Com o Crush (2024, Brasil)


Título Original: Morando Com o Crush 

Direção: Hsu Chien Hsien

Roteiro: Sylvio Gonçalves

Elenco principal: Giulia Benite, Marcos Pasquim, Vitor Figueiredo, Carina Sacchello, Juliana Alves, Júlia Olliver e Ed Gama

Distribuição brasileira: Paris Filmes

Duração: 90 minutos


Conseguir lançar dois filmes nacionais no mesmo ano é um grande feito para os diretores nacionais. Fazê-lo em uma mesma semana é quase impossível, e por isso o diretor Hsu Chien deve ser parabenizado.



Neste longa, que até dialoga em público com De Repente, Miss!, temos o protagonismo da mesma atriz que interpreta a filha do casal do mesmo: Giulia Benite, que aqui interpreta a protagonista Luana. Ela tem um crush em um garoto de sua escola, Hugo (Vitor Figueiredo), e quando eles começam um flerte recebem uma notícia bombástica. Não apenas os seus pais estão namorando, mas por conta do trabalho, todos se mudarão juntos para uma mesma casa, no interior do Rio de Janeiro.


Se a trama parece uma comédia água com açúcar, é exatamente este o caminho que se escolhe para seguir com o filme. Entre a exposição excessiva através de diálogo e a quantidade de tramas paralelas que funcionam apenas como muletas para criar piadocas, o filme causa desconforto em quem assiste e não consegue se entreter com o humor fácil e fútil. Ao invés de aproveitar o gênero e a projeção para criar alguma espécie de reflexão em quem assiste, a obra simplesmente reforça padrões de gênero, sexualidade e família. Com uma juventude cada vez mais crítica em relação às expectativas sociais e pautas identitárias, fica o questionamento se a obra realmente se destina a esse público ou se são apenas ideias de alguém consideravelmente mais velho sobre quais os interesses dos jovens.


Essa desconexão com a realidade permanece em questões a ausência de qualquer tipo de preocupação dos pais com a situação complexa dos filhos, e até da cidade e a mentira inventada por todos que seria facilmente desmascarada na primeira necessidade de apresentar alguma documentação. Assim, ainda que outras áreas do filme sejam competentes, como a direção de arte ou de fotografia, isso fica ofuscado pelo teor geral da obra. E, novamente, o product placement realizado é completamente fora de tom, gerando um questionamento sobre o funcionamento de um marketing tão descarado.


Ainda que obras como estas sejam importantes para manter o mercado de cinema nacional ativo, o questionamento sobre sua qualidade não deve ser ocultado.


A Alegria é a Prova dos Nove (2024, Brasil)


Título Original: A Alegria é a Prova dos Nove

Direção: Helena Ignez

Roteiro: Helena Ignez

Elenco principal: Helena Ignez, Ney Matogrosso, Thais de Almeida Prado, Djin Sganzerla, Michele Matalon, Thais de Almeida Prado e Bárbara Vida

Distribuição brasileira: Mercúrio Produções

Duração: 101 minutos


No extremo oposto das produções brasileiras sendo lançadas neste fim de semana temos o filme de Helena Ignez, que está completando 85 anos no dia do lançamento do filme. Se é deselegante colocar a idade de uma diretora, roteirista e atriz em uma crítica sobre o filme, aqui a idade é utilizada para exaltá-la. Em uma idade em que muitas pessoas esperam estar aposentadas, ela realiza diversas funções em uma produção bastante pessoal, e cria um filme muito mais moderno do que qualquer um dos outros lançamentos.



Bebendo em sua formação no Cinema Novo, o filme tem formalismos misturados à uma encenação às vezes naturalista. Sem também uma linha narrativa extremamente clara, entendemos que vemos a história de Jarda Ícone, a mulher que ensina sobre o prazer feminino, e algumas das pessoas de seu círculo de confiança. Misturando também com flashbacks de um passado distante, colocam-se algumas diferenças entre a liberdade sexual feminina em dois períodos distintos de tempo, sem apelar para um saudosismo ou uma demonização, mas sim investigando acontecimentos.


Mais pensado para instigar do que para resolver questões propostas em tela, um de seus problemas está em sua dificuldade de aprofundar os temas levantados, tocando em diversos assuntos muito relevantes, mas apenas de maneira superficial. Se algumas das narrativas fossem um pouco mais discutidas, isso traria um equilíbrio maior à narrativa ao invés de uma estrutura extremamente episódica que é apresentada. Ainda que seja compreensível como um conjunto delirante da própria diretora, para quem topa pela primeira vez com seu cinema, pode ser um impeditivo.


Algo surpreendente é o uso de performances artísticas sem tabus - e se tem algo que o público brasileiro se constrange com, é em ver um corpo como um corpo, e não como uma máquina ligada ao desejo alheio. Aqui, a obra alcança uma gigantesca potência, e felizmente a segurança adquirida ao longo dos anos se coloca em tela.


Assim, ainda que não seja uma obra muito universal em relação ao seu público, é notadamente muito importante para os seus realizadores. E, com isso, é uma excelente mensagem para o público jovem cinéfilo, que certamente assiste o filme e sai com a reflexão sobre seus próprios conservadorismos.


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