Imaculada (2024, EUA e Itália)
Título Original: Immaculate
Direção: Michael Mohan
Roteiro: Andrew Lobel
Elenco principal: Sydney Sweeney, Álvaro Morte, Simona Tabasco, Benedetta Porcaroli, Giorgio Colangeli e Dora Romano
Distribuição brasileira: Diamond Films
Duração: 89 minutos
Não é uma questão recente a relação dos Estados Unidos com a Igreja Católica. Por uma questão de colonização, eles tiveram mais contato com igrejas luteranas e reformistas, e os ritos e tradições que são mais comuns ao público brasileiro são, para eles, assustadores. Assim, é muito compreensível que esse imaginário esteja inserido na sua cultura, e como grande produtor de filmes, acabam existindo muitas obras de terror com retratos católicos, dos padres de O Exorcismo até o assustador padre de Missa da Meia-Noite.
Claro, se o horror tenta lidar com o incompreensível, ou o compreensível mas detestável, a religião pode ser um caminho para ambos. Mas, escolhendo qualquer um desses caminhos (padres bonzinhos ou padres abusadores; freiras que defendem crianças ou freiras assombradas), é importante que se faça uma escolha consciente para criar um filme que traga mais assunto para discussão, seja em uma ousadia técnica ou narrativa. E isso é o maior problema de Imaculada, que apenas repete estereótipos e não traz mais nada de interessante para além de sustos (que já estão no trailer) e uma ótima atuação de Sydney Sweeney.
Temos um filme narrado em arcos que misturam o horror corporal de uma gestação com a situação milagrosa de uma freira que realmente engravidou sem ter relações sexuais. Isso se amontoa com uma mistura entre ritos reais e imaginários, o terror da falta de comunicação em outra língua e o isolamento, colocando uma situação tão improvável que é difícil para o público se relacionar.
Até se cria um arco interessante sobre a gravidez como algo sagrado e ao mesmo tempo profano, pensando sob o ponto de vista de uma freira casta e que não deseja engravidar, mas que quando o faz está dentro de um milagre, sendo exibida como tal pelas suas irmãs. Mesmo com a ótima atuação de Sweeney, que consegue sustentar uma perda da inocência ao longo da obra com seus olhos expressivos e uma postura corporal que muda, isso não compensa a quantidade de nonsense presente em tela apenas para chocar ou para criar imagens esteticamente interessantes, mas sem profundidade de significado.
Ainda que se arraste por uma hora e meia de duração, é necessário comentar que tanto diretor quanto a diretora de fotografia e Sweeney conseguem fazer um bom trabalho com a cena final. Claramente inspirado em O Bebê de Rosemary, percebe-se que houve uma preocupação em criar um impacto - mas ainda assim, a edição de som é tão desastrosa que consegue estragar parte deste objetivo.
Meu Sangue Ferve Por Você (2024, Brasil)
Título Original: Meu Sangue Ferve Por Você
Direção: Paulo Machline
Roteiro: Paulo Machline, Homero Olivetto e Roberto Vitorino
Elenco principal: Filipe Bragança, Giovana Cordeiro, Julia Konrad, Emanuelle Araújo e Caco Ciocler
Distribuição brasileira: Manequim Filmes
Duração: 97 minutos
Ao entrar em um vídeo no Youtube de Sidney Magal em 2024 é inevitável encontrar um comentário identificando-o como um grande símbolo sexual de sua época. Ao mesmo tempo, não é de conhecimento público o modo que ele conheceu Magali, sua companheira de longa data. E até para os brasileiros mais jovens, seu nome talvez já não seja mais tão reconhecido, ainda que ele permaneça ativo na produção cultural. Nesse contexto, o timing para lançamento de sua biografia musical é interessante, ainda que o gênero esteja em posição complexa no momento.
O recorte realizado para a obra é bem claro: mais do que tentar fazer um apanhado da carreira do cantor, ele utilizará canções para contar uma fábula sobre o romance de seu encontro com Magali. Felizmente, ao invés de outras obras recentes que tentam esconder o fato de que são musicais a qualquer custo, este filme pelo menos mostra desde o primeiro momento qual o universo que se está adentrando. E ele será romântico, cafona e cheio de afeto.
Apesar de Magal e Magali terem uma história relativamente simples, existem diversos detalhes no modo de contar o ocorrido que elevam a obra. O uso dos personagens secundários, por exemplo, é significativo. Sidney Santiago interpreta Renan, e de maneira inesperada temos um personagem lgbtqia+ negro em resistência em meio à ditadura brasileira. Claro, dentro da fábula de Magal não existe a opressão e o preconceito, mas isso ao menos dá a oportunidade de um personagem com um brilho e trama próprios. Graça, a mãe de Magali, aparece quase como vilã, por temer a vida de esposa de famoso para sua filha. Mas mesmo assim tem sua redenção com o passar da história.
Sua maior dificuldade é conseguir aproveitar o potencial de suas músicas para criar cenas musicais memoráveis como as letras de Magal. É claro que em 2024 já é criminoso dizer que “se te agarro com outro, te mato”, mas todas as cenas parecem começar e se encerrar do nada, com uma montagem confusa e que não ajuda a narrativa a se mover. Com exceção a Sandra Rosa Madalena, que ganha uma nova roupagem muito bem-vinda, quase todas as outras canções não trazem nenhuma novidade.
O casal principal brilha em sua escalação, trazendo uma ternura e um desejo manifestados através de olhares. E sendo essa a espinha dorsal do filme, ele consegue se manter em pé tranquilamente, até nos momentos de maior confusão em tela. Mas infelizmente, isso também tem uma contrapartida complicada, que é a falta da possibilidade de aprofundamento em qualquer outra das questões levantadas pela obra. O status de símbolo sexual, a ausência da ditadura no filme, uma relação de trabalho complicada entre Magal e seu empresário, J.P. - tudo isso acaba sendo muito pouco explorado, mesmo que pincelado.
Sair da sessão e ver a alegria de Magal em poder aproveitar essa homenagem feita em vida é revigorante. Perceber uma biografia musical que se mantém fiel à sua proposta, até ao incluir Johnny Hooker como a única canção que não é de Sidney Magal a ser cantada, também mostra uma boa compreensão do projeto que se tinha em mãos. Então, se o que se procura é um filme animado e com celebração, essa é uma obra a ser considerada para assistir.
1798 - Revolta dos Búzios (2019, Brasil)
Título Original: 1798 - Revolta dos Búzios
Direção: Antonio Olavo
Roteiro: Antonio Olavo
Elenco principal: Luciana Souza
Distribuição brasileira: Abará Filmes
Duração: 73 minutos
O Brasil é um país que faz um esforço consciente para apagar sua própria história. A máxima pode ser um pouco reducionista, mas se seguimos a máxima orwelliana de que a história é escrita pelos vencedores de conflitos, considerando o nosso passado político seria difícil estarmos em uma situação diferente. Este é o caso da Revolta dos Búzios, caso pouquíssimo explorado da história brasileira. Uma revolta majoritariamente negra e popular que tinha a ideia de se revoltar contra a Coroa portuguesa e que teve uma punição brutal. Se até mesmo durante o ensino básico de história o momento é ensinado como uma observação, sem profundidade, o papel do audiovisual em ajudar a contar essa história não poderia ser desconsiderado.
Assim, quando o filme se inicia com uma música sobre a falta de discussão do assunto em um âmbito familiar, é despertado um interesse que envolve como trazer essa história para o âmbito político de um Brasil em 2024 que continua enfrentando problemas raciais graves. Infelizmente, este é um sopro de atualidade que só retorna no final da obra, deixando claro que seus realizadores estão cientes do que estão tocando em uma espécie de ferida aberta e com muita dificuldade em cicatrizar.
Ao usar autos e textos da época, existe um fator de tentativa de recriação histórica que é um caminho possível, desde que os áudios dessa narração estejam ligados a algum projeto estético que cause impacto. O caminho que o filme escolhe é muito mais brando, abordando toda a situação por um lado mais educativo com as imagens. Ele acaba evocando todo o universo da educação formal que ele poderia se afastar para criar novos significados, e acaba desperdiçando essa chance em uma tentativa de apenas se fazer mais claro em relação a algo que já está posto no texto.
Por se tratar de uma obra de época, e que foi realizada em um momento em que a cultura brasileira estava sofrendo, novamente, graves ataques e cortes de verbas, é compreensível que se tenha escolhido um caminho mais neutro em relação às imagens, sem tornar-se excessivamente dispendioso. Mas a falta de clareza em relação aos personagens ou até mesmo as imagens que são vívidas em palavras, mas não no que se assiste, gera esse desencontro entre o áudio e o visual.
Não é uma obra má intencionada ou com problemas discursivos ou de interpretação na relação da história brasileira com o presente. Pelo contrário, ela tem um discurso ativo e claro que dialoga com as demais obras do documentarista. Mas a mensagem perde o impacto pela forma em que é colocada - tendo a abertura e o final como pontos necessários para seu nexo.
Comments