O Cara da Piscina (2023, EUA)
Título Original: Poolman
Direção: Chris Pine
Roteiro: Chris Pine e Ian Gotler
Distribuição brasileira: Diamond Films
Duração: 100 minutos
Existe uma certa alegria em perceber que os astros de Hollywood também têm seus projetos dos sonhos e vontades que extrapolam permanecer em apenas uma carreira, por mais glamurosa que ela possa parecer. Assim, entender que Chris Pine, já com uma carreira de atuação em grandes estúdios e com grandes personagens, tem a vontade de escrever e dirigir um filme próprio é algo que deve ser visto como algo positivo.
É perceptível que O Cara da Piscina é um projeto concebido com muito carinho, pensado como uma homenagem tanto à cidade de Los Angeles como aos filmes noir e neo-noir como o tão citado Chinatown. Mas talvez pela sua falta de experiência, talvez por muitos sinais verdes dados pela confiança de que seu nome traria público às salas, a obra parece ter muitos defeitos que, somados, tornam a experiência cinematográfica não apenas chata, como sem vigor. E isso é o que ninguém deseja ouvir sobre sua própria arte.
Existe uma tentativa de fazer uma narrativa que circula ao redor de um personagem realmente inocente, o D.B., protagonizado por Pine. Um adulto pouco funcional, que tem a vida muito ligada à dos pais, e que deseja lutar contra a gentrificação e a massificação das relações humanas. Mas falta substância, talvez pela própria escrita do roteiro, para que ele se torne crível. Sua ingenuidade acaba sendo explanada por todos os personagens ao seu redor, sem nunca realmente estar na tela. Não existe uma jornada para a sua maturidade, apenas uma rede de tramas fracamente amarradas que levam a um final súbito e de uma revelação quase sobrenatural. Ao menos o casting é realizado de forma que todos os atores ao redor de Pine conseguem segurar seus papeis e criar um ambiente mais seguro para sua atuação.
Considerando a quantidade de referências realizadas a um gênero específico, também é esperado que a obra apresente grande domínio, e até uma subversão modernizada, de suas características mais simples. Mas essas características não são nem aprofundadas o suficiente para que se possa modernizá-las. Não há nada da fotografia ligada ao contraste, nem da moralidade dúbia dos personagens. Até a personagem de femme fatale é modernizada apenas com um piercing no nariz, sem se pensar em como este arquétipo é ultrapassado.
Somando todos os erros, o resultado é uma obra que não consegue nem se conectar com o público, e nem impacta-lo de nenhuma forma que o faça sequer pensar muito na obra após sair ao cinema. Mas ao mesmo tempo, ele não é tão cativante que pelo menos faça sentido dentro de uma lógica de blockbuster.
É como o artista falou recentemente em entrevistas: é importante se cortar para sentir a dor, e aprender com o processo de cicatrização. E provavelmente os estúdios estarão mais atentos aos seus próximos projetos, possivelmente evitando erros básicos que poderiam pelo menos dar sustentação para suas futuras obras.
Grande Sertão (2023, Brasil)
Título Original: Grande Sertão
Direção: Guel Arraes
Roteiro: Guel Arraes, Jorge Furtado e João Guimarães Rosa
Elenco principal: Caio Blat, Luisa Arraes, Rodrigo Lombardi, Luis Miranda, Mariana Nunes, Locais Oranmian e Eduardo Sterblitch
Distribuição brasileira: Paris Filmes
Duração: 108 minutos
Se ler Guimarães Rosa já é uma tarefa razoavelmente difícil até para um adulto com educação superior, realizar uma adaptação da obra que tenha ainda apelo popular é uma tarefa quase hercúlea.
Das muitas possibilidades que vão do épico cinematográfico até uma abordagem mais minimalista e teatral, o caminho escolhido por Guel Arraes talvez seja dos menos óbvios o possível, além de ser até um pouco polêmico. Ele e Jorge Furtado optam por pegar o essencial do livro, da construção de personagens e do enredo que aborda todos os tons de cinza entre o bom e o mal, e trazem isso para um contexto urbano fictício, mas com todos os pés na realidade das grandes capitais brasileiras. Se o próprio Guimarães Rosa criou o seu sertão que mistura Minas Gerais, Bahia e sua infinita imaginação, o cineasta dá um passo extra e cria um sertão como alegoria do conflito central do Brasil. Obviamente, para quem espera uma adaptação mais tradicional, haverá uma grande quebra de expectativa, mas para os que estão abertos à obra audiovisual independente do livro, cria-se uma porta de entrada contemporanizada para a descoberta do autor.
É realizado o trabalho de simplificar um grande épico sem que ele perca sua essência, o que já é um grande feito. Caio Blat, no papel principal de Riobaldo, tem um destaque não apenas pelo protagonismo como também por sua mudança de expressão até corporal ao longo da obra. Do seu começo como um professor que acredita na mudança até o final, com os flashes do futuro no qual ele conta sua história, sua atuação está no tom correto do início ao final. Já para seu par em tela, Luisa Arraes, que tem o papel de Diadorim, há uma dificuldade em encontrar o tom correto da androginia, sendo difícil acreditar na sua caracterização como homem na maior parte da obra. Assim, parte do conflito de Riobaldo com sua sexualidade em um meio majoritariamente masculino e patriarcal se perde, um dos motivos interessantíssimos do livro. É importante destacar a participação de Eduardo Sterblitch, pois sua incorporação da vilania é tão profunda que mal se reconhece o ator por trás de Hermógenes.
Até em questões de gênero a obra se ressignifica com Diadorim, com uma conclusão agridoce para a personagem. Justamente por conta desses toques mais contemporâneos em um texto clássico apresentados de forma que mescla o melhor de dois mundos. A caracterização realizada, tanto em cenografia quanto em figurinos, é parte essencial desse toque de modernidade sem deixar de lado a importância histórica das personagens. Isso é complementado com uma fotografia pensada plano a plano, deixando todo o visual do filme impactante.
Com um claro investimento altíssimo tanto no filme quanto na sua distribuição, resta saber se o público brasileiro terá uma aceitação e comparecimento às salas que torne a obra rentável - diga-se de passagem, um dos maiores problemas do cinema nacional.
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