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Carol e Jean

Críticas | O Menino e a Garça | Ferrari

O Menino e a Garça (Hayao Miyazaki, 2023, Japão)

Texto por Jean Werneck

Nome Original: 君たちはどう生きるか / How do you live?

Roteiro: Hayao Miyazaki

Elenco principal: Soma Santoki, Masaki Suda, Aymyon, Yoshino Kimura e Shehei Hino

Distribuição brasileira: Sato Company

Duração: 124 minutos


Com mais uma animação emocionante, Hayao Miyazaki retorna às telonas abordando luto e ancestralidade. 


Durante a Segunda Guerra Mundial, Mahito (Soma Santoki) perde sua mãe em um trágico incêndio, o que leva ele e seu pai a se mudarem para o interior de Tokyo. Com dificuldades para se adaptar à nova vida, ele desenvolve uma relação com a misteriosa garça (Masaki Suda) da região e adentra um mundo fantástico para superar seus traumas. Hayao Miyazaki é um dos maiores - se não o maior - nome do gênero das animações e um mestre do cinema japonês. O Menino e a Garça, novo filme do realizador rodeado de expectativas dos fãs, não decepciona e traz a criatividade e sensibilidade, características dessa filmografia de volta. 



Miyazaki parte do contexto histórico doloroso da guerra para acessar traumas reais e curá-los com a magia e inventividade da fantasia. Essa proposta lúdica - de usar o fantástico como ferramenta de cicatrização emocional - é similar a de outros dos seus aclamados projetos, como A Viagem de Chihiro (2001), Princesa Mononoke (1997) ou O Castelo Animado (2004). Entretanto, a obra que mais se aproxima do recente fenômeno do diretor é Meu Amigo Totoro (1988) que, assim como O Menino e a Garça, destaca a complexidade dos laços familiares e as maneiras alegóricas de lidar com eles. No caso do corajoso Mahito, temos a rejeição de sua tia como figura materna e o desconhecimento de sua ancestralidade por parte de mãe. Esse vasto roteiro ganha vida e sentido ao sermos guiados junto ao protagonista por cada capítulo da história que o levou até aquele momento duro de sua infância e a definição identitária conforme conhece e ressignifica suas raízes para deixar de rejeitar as mudanças e encontrar, naquilo que até então o assusta, um lar acolhedor para chamar de seu. 


Toda essa bela lição que transcende o filme e cativa o público ganha cores com o traço 2D tradicional de Miyazaki, que torna o visual tão único parte da autoralidade dele como diretor. As chamas que empoderam a versão mais jovem da mãe de Mahito, os efeitos que levam a garça de um animal pleno à uma figura mágica traiçoeira e os detalhes coloridos que transmitem diferentes mensagens ao decorrer do longa evidenciam que parte da profundidade do enredo está na construção imagética que temos em tela. Essa conexão entre palavras e imagens, que é tão fundamental na sétima arte, refina a experiência de sairmos emocionados do filme, mas também reflexivos. Personagens e núcleos paralelos bem entrelaçados nos levam às mais diversas sensações quando nos conectamos genuinamente com essa magistral história. 


Apesar de O Menino e a Garça ser essencialmente um pouco mais do mesmo do que Hayao Miyazaki vem animando até aqui, esse resultado é igualmente conquistador a seu próprio modo. É isso que não se extingue nele, a capacidade de sempre fantasiar um pouco mais.


Ferrari (Michael Mann, 2023, EUA)

Texto por Carol Ballan

Nome Original: Ferrari

Roteiro: Troy Kennedy Martin

Elenco principal: Adam Driver, Shailene Woodley, Giuseppe Festinese, Alessandro Cremona, Penélope Cruz e Gabriel Leone

Distribuição brasileira: Diamond Films

Duração: 130 minutos


Pensando em uma produção sobre uma das maiores marcas de carros de luxo no mundo, é difícil pensar em como abordar sua história. O que poderia ser mais uma simples cinebiografia padronizada sobre a vida de Enzo Ferrari (Adam Driver) consegue se tornar um filme muito mais maduro na medida em que seu diretor e roteirista criam um corte temporal específico que consegue sintetizar muitos desses momentos chave sem depender completamente de clichês.



Somos introduzidos a um homem em um momento de crise tanto pessoal quanto profissional. Se por um lado ele não consegue explicar a sua paternidade de uma criança fora do casamento para sua esposa Laura (Penélope Cruz), por outro está com uma empresa quase falindo e precisa urgentemente de uma vitória da Fórmula 1 para voltar a um melhor equilíbrio. E, no centro disso, também está colocada a sua relação com a sua Módena, na qual conhece toda a vida social e é até cobrado pelos moradores em relação à marca.


Essa ruptura entre os dois campos de sua vida é muito bem representada através das escolhas técnicas e criativas do diretor. Por vezes, parecemos estar vendo como dois filmes, um drama familiar e um filme de ação, e é a costura delicada entre essas duas narrativas que eleva a qualidade da obra. Entre os planos longos e intimistas dos interiores das casas, que parecem quase pinturas clássicas italianas, e os momentos de tensão e câmeras que acompanham o movimento bruto dos carros, cria-se uma tensão quase insustentável. Ou seja, ele consegue emular a tensão interna do personagem através de recursos audiovisuais.


Apesar de já ser um diretor consagrado, Mann consegue manter a sua marca ao mesmo tempo em que deixa de lado algumas de suas características mais notórias em prol de conseguir criar um bom filme. Ele consegue dirigir boas cenas de drama na mesma proporção que boas cenas de ação, com atuações que fazem com que espectadores mergulhem na história contada. Mesmo a violência, que tem seu papel também nessa obra, é utilizada com muita parcimônia e justamente para chocar o público no momento em que esse choque é necessário.

A escolha de Adam Driver para representa  r alguém muito mais velho é estranha, mas sua atuação justifica a escolha. Com uma caracterização convincente e que não parece uma caricatura de um homem mais velho, ele consegue representar os silêncios necessários na vida do homem principalmente quando citado o luto em relação ao seu filho legítimo. Shailene Woodley, que ficou famosa por seus papéis em comédias românticas e filmes para adolescentes, também consegue demonstrar sua gama de atuação no papel mais complexo da amante Lina Lardi.


Ainda que seja uma obra bastante específica e que retrata uma realidade distante dos espectadores, ele consegue se sobressair em um universo de filmes sobre pessoas, produtos ou empresas que se passam por isentos e que não ousam nem na narrativa nem em suas técnicas. Pode não ser uma obra comovente o suficiente para ser lembrada ao final de uma década, mas ainda se mostra mais interessante do  que a média.


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