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Foto do escritorCarol Ballan

Drive My Car (Ryusuke Hamaguchi, 2021)

Existem alguns filmes que dificilmente podem ser explicados através de uma sinopse. Com o japonês Drive My Car, vencedor de tantas premiações que se torna igualmente difícil enumerá-las, dizer que o mesmo acompanha Yusuke, renomado ator e diretor de teatro, através das turbulências da vida seria tão correto quanto equivocado. Sim, a trama de fato acompanha o personagem, mas limitá-la a isso é uma simplificação extremamente absurda. Acrescentar que se baseia em um conto de Haruki Murakami, autor cuja obra se tornou conhecida no ocidente após diversas premiações, traz a noção de sua grandiosidade e importância, mas ainda não consegue traduzir o impacto audiovisual da narrativa.



O longa-metragem evoca a sensação de movimento. Seja através das personagens, que estão fisicamente se movimentando - não à toa, o carro é praticamente um deles - ou da fita cassete de Tio Vanya, repetida à exaustão por um homem enlutado que encontra conforto na voz eternizada da esposa. O tema se repete ainda com Misaki, a motorista em fuga de um passado misterioso, e cujas conversas com Yusuke o tiram da inércia e finalmente o levam para a reflexão, o que também tem consequências em sua própria vida.


É a inércia, a regra da física de permanecer em movimento quando se está em movimento e de permanecer parado quando se está parado, uma de suas temáticas centrais. E, quando são adicionados os planos conectores entre as cenas que acontecem em diversos locais diferentes, muitas vezes isto é feito através de planos que simplesmente mostram os movimentos naturais e humanos das coisas ao redor da trama principal: o movimento do carro, o efeito do motor do barco, a chuva. Acaba-se criando também uma relação entre os movimentos humanos e aqueles da natureza, em uma reflexão quase xintoísta sobre ciclos.


Somado a isso, toda a temática de atuação não apenas através dos personagens escolhidos a dedo para uma grande adaptação de Tio Vânia, peça de Tchekhov, mas também pela percepção de que somos todos atores sociais, cujos papéis são muitas vezes aceitos sem a devida reflexão. É exatamente neste argumento que Misaki consegue ser o contraponto de toda a narrativa: quando sua presença não se faz invisível como prestadora de um serviço, suas palavras são capazes de criar fortes mudanças na inércia da vida do personagem central.


Não à toa, o filme vem sendo premiado por uma sociedade que acaba de passar pelo trauma coletivo da perda de diversas vidas pelo Covid-19. Se em uma primeira camada se percebe que é muito mais fácil simpatizar com personagens que estão passando por processos de luto, o fato da narrativa acompanhar os passos para compreensão e superação dele faz com que a obra se torne muito mais atrativa para uma sociedade que sofre. Até a escolha das cenas da obra teatral mostradas no longa reforçam a noção de que, em primeiro lugar, deve-se aceitar que há fatos na vida que são como são, e que muitas vezes podemos apenas reagir ao que nos é apresentado, sem a presença de um controle pleno que, como humanos, desejamos excessivamente.


Devido à sua longa duração e multiplicidade de personagens, há diversas outras tramas e assuntos abordados, como a deficiência auditiva, a fama e os relacionamentos familiares abusivos. Eles acrescentam camadas ao filme e o tornam interessante para diversos públicos, ainda trazendo a mensagem central tão consoladora para alguém, que como eu, perdeu alguém amado nesses últimos anos.

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