Canção Ao Longe (Clarissa Campolina, 2022)
Após a passagem pelo circuito de festivais de cinema nacionais, o longa-metragem Canção ao Longe marca a primeira vez da diretora Clarissa Campolina assumindo a direção sozinha, sem co-diretores. E essa característica fica muito clara pela própria temática do filme e seu protagonismo feminino. Na ficção, Jimena (Mônica Maria) está em uma crise de identidade, tanto por ser uma mulher negra criada por brancas e com o pai ausente, quanto por estar em um momento da vida em que deseja compreender melhor o seu lugar no mundo.
O espectador é levado com ela nessa caminhada entre relacionamentos afetivos, amizades e família. Com esses três eixos principais, a família parece ser a mais complicada tanto por levantar a questão identitária quanto pela falta de informação que a filha tem com o pai, com o qual apenas troca cartas. Ao mesmo tempo, tem um círculo fiel de amigas e inicia um relacionamento com um pai solteiro, algo que é pouco explorado e que poderia trazer mais camadas à narrativa.
Se no primeiro momento parece haver quase uma influência de filmes experimentais com o uso de sons e imagens mais desconexas para criar uma narrativa, aos poucos se percebe que esse é apenas um flerte, com um roteiro mais estruturado e que conta um pedaço da vida da protagonista de forma linear. Isso é refletido tanto no naturalismo da atuação quanto nos recursos artísticos da fotografia e direção de arte que não tentam manipular a visão do espectador.
Se em um primeiro momento essa leveza parece ser uma qualidade, na medida em que a obra não se desenvolve e apenas circula no acompanhar da vida de Jimena, ocorre uma falta de identificação mais específica com suas angústias e desejos, que são pouco explorados e deixados como um subtexto nem sempre acessível. Há uma sensação de circularidade, que somada à falta de identificação causam cansaço no espectador, parecendo que o tempo se estende enquanto assiste o filme. Novamente, isso poderia ser um recurso narrativo formal, mas dado o fechamento de diversos pontos levantados pela narrativa, não parece ser.
Apesar de ter um ponto de vista bastante particular, o fechamento em relação ao público é o que faz a obra aos poucos se tornar menos interessante. Demonstrar um maior controle ao invés de tentar tornar a obra excessivamente natural é um caminho não explorado que poderia gerar maior interesse. Ainda que não haja um final completamente fechado, sentir que algumas das discussões levantadas foram seguidas também levaria a uma maior satisfação. A sua própria busca por identidade que se foca em si mesma e suas relações, sem nunca olhar para as possibilidades de vida afora a sua podem levar a uma compreensão de que o filme é fechado em si mesmo. Mesmo com a boa atuação, boa técnica e bom ponto de vista a abordar, o filme falha na conexão, que é justamente o que Jimena está buscando.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Vitrine Filmes. Verifique a programação na sua cidade.
Os Aventureiros - A Origem (André Pellenz, 2022)
É impossível falar sobre o lançamento de Os Aventureiros - O Filme sem comentar o fenômeno Luccas Neto. Irmão de Felipe Neto, ele começou a ter sucesso no youtube com seu canal Hater Sincero. A partir de então, começou a focar no conteúdo para o público infantil e se tornou tão grande que tem uma franquia que vai de filmes a peças em grandes teatros e livros campeões de venda. Em uma mistura de estratégia e habilidade, ele conseguiu suprir uma demanda de mercado gigantesca e lucrativa.
Dentro desse universo criado, existe um grupo de super-heróis chamado Os Aventureiros. Em uma estranha mistura de crianças, adolescentes e o próprio Luccas (que já passou dos 30 anos), este filme mostra a história de origem do grupo quando eles se envolvem em um acidente multidimensional e precisam salvar a Cidade da Alegria de uma vilã que deseja destruí-la. É um enredo simples, mas que tende a funcionar bem para o público infantil pela dicotomia entre bem e mal.
Ainda que se espere algo menos complexo de um roteiro infantil, é triste a impressão de que se assiste um vídeo de youtube que dura por tempo demais. Entre diálogos explanatórios e totalmente fora de um eixo mais naturalista e furos de continuidade que não deveriam passar em uma obra desse tamanho, é difícil para um adulto comprar qualquer momento da história narrada. Essa falta de estrutura se reflete na direção de atores, que também é truncada e errática, com frases de efeito e publicidade inserida de maneira muito direta.
Soma-se ainda a isso uma direção de arte confusa, com os figurinos do filme parecendo ser de fantasias compradas em lojas, principalmente após as transformações, enquanto demonstra uma preocupação com a cenografia principalmente dentro da loja de doces. Percebe-se que, por outro lado, houve uma maior preocupação com a fotografia e efeitos especiais, onde a qualidade se destaca um pouco do resto da produção. Além de enquadramentos interessantes, é perceptível uma preocupação com a iluminação criando efeitos visuais mais complexos.
É essencial, no entanto, dizer que essa é a visão de uma adulta que não está imersa no universo infantil de nenhuma forma. Apesar de amar animações, foco nas para público adulto ou para as que acenam para ele, como os recentes Elementos e Ruby Marinho: Monstro Adolescente. Imagino que o longa-metragem seja parecido com o conteúdo produzido online, que é um sucesso entre o seu público-alvo.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Warner Bros. Verifique a programação na sua cidade.
Sobrenatural: A Porta Vermelha (Patrick Wilson, 2023)
Filmes de gênero muitas vezes são os que possuem um público mais engajado com franquias, vide os mais de seis filmes de A Hora do Pesadelo e as 13 temporadas de Dr. Who. Sobrenatural não é um caso que foge à regra, com uma multidão de fãs e uma resposta favorável da crítica em seu primeiro capítulo, lançado há mais de 10 anos. Assim, com um lançamento que volta a falar sobre a família Lambert e com a direção feita por Patrick Wilson, que interpreta o pai da família, Josh, houve empolgação dos fãs.
Os fatos da nova obra se passam 10 anos após os acontecimentos de Sobrenatural: Capítulo 2, quando Josh e seu filho Dalton (Ty Simpkins) têm a mente fechada para não se aventurarem mais pelo Além. Rapidamente descobrimos que a situação da família degringolou a partir desse momento, com a separação de Josh e Renai (Rose Byrne) e o afastamento de Josh do resto da família. Eles se encontram em uma situação desagradável, e o pai, em uma tentativa de se reconectar com o filho, se oferece para levá-lo até a faculdade de artes que ele iniciará em breve. Mas, para haver um novo filme, é claro que situações separadas fazem com que pai e filho, mesmo que distantes, comecem a voltar ao Além.
Para um espectador que vai ao cinema buscando apenas uma emoção e um susto, o filme certamente será eficiente em causar alguns bons jumpscares, ainda que muitas vezes se mostre tanto que o susto é suspenso. A trilha sonora e a supressão de som nos momentos de maior medo funcionam muito bem, mesmo quando o susto está sendo premeditado nas telas. Alguns dos espíritos mostrados são realmente assustadores, mas o Darth Maul do além permanece na franquia, e com a mesma escolha de maquiagem duvidosa. Há mais sucesso quando se criam imagens perturbadoras ligadas ao dia-a-dia, como na máquina de ressonância magnética ou com a pintura feita com a mistura de carvão e sangue.
O maior problema é a dificuldade em acreditar no crescimento emocional da relação entre pai e filho que a narrativa tenta construir. Ainda que ocorra o momento de ambos olharem para o passado e tentarem remediar o ocorrido com a família, há muito pouco esforço envolvido em conseguir avançar com uma relação deteriorada há anos e que molda parte da personalidade de Dalton. Não ocorre um momento realmente tocante nem na vida real ou metaforicamente, no além. Isso acaba tornando o seu discurso esvaziado de significado afetivo.
Nesse longa, além da volta dos personagens já conhecidos, há a introdução de um novo, Chris (Sinclair Daniel). Ela consegue criar uma relação mais significativa com o rapaz e traz a comédia a partir de um ponto de vista semelhante ao do espectador, que é alheio ao que ocorre no mundo paranormal. Infelizmente, Specs (Leigh Whannel) e Tucker (Angus Sampson) só têm uma pequena aparição.
Seja pela mudança de roteirista ou diretor, o filme não consegue avançar no discurso que se propõe, mas consegue gerar o susto que muitas pessoas buscam em um filme de terror. E certamente causa novos traumas para pessoas que têm que entrar na máquina de ressonância.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Sony Pictures. Verifique a programação na sua cidade.
Um Dia Cinco Estrelas (Hsu Chien, 2023)
É impressionante se deparar com a filmografia do diretor brasileiro-taiwanês Hsu Chien, que já assumiu a direção de mais de 20 projetos entre longas, curtas e séries. Geralmente bastante focado no humor, também é impressionante que seu nome não seja mais conhecido dado o seu foco em comédias e romances, gêneros bastante abraçados pela bilheteria do país. Agora, ele volta aos cinemas pela segunda vez no mesmo ano, após o lançamento de Desapega!, lançado no início do ano e protagonizado por Maísa.
Seu retorno é com mais uma comédia que tange a vida familiar. Pedro Paulo (Estevam Nabote) é um adulto pouco responsável, que ao invés de contribuir com a família em dificuldades financeiras passa seus dias cuidando de Mozão, seu Opala antigo que ganhou de herança do pai. Enquanto isso, sua esposa Manuela (Aline Campos) e mãe Dona Nilda (Nany People) têm um dia-a-dia corrido para sustentar a casa. Mas quando Dona Nilda chega aos seus 60 anos e tem que gastar o dinheiro que usaria em uma viagem para arrumar um telhado, a situação chega a um estopim e Pedro Paulo decide começar a trabalhar como motorista de aplicativo.
O que se segue é uma comédia bastante baseada em estereótipos e que funciona através de esquetes montadas continuamente, mas que poderiam ser episódios curtos de uma série. A falta de possibilidade que tudo tenha acontecido em apenas um dia é o primeiro elemento que faz com que o espectador se desligue da trama, e o uso desses tipos narrativos é constrangedor, com a redução de homens gays a hipersexuais e mulheres loiras (Betina, interpretada por Danielle Winits) como mais interessadas em manter o cabeleireiro do que com a crise em seu casamento.
Apesar de sua forma bem executada e de conseguir trazer eventuais sorrisos, o longa é o tipo de comédia pastelão que cria uma nova roupagem para repetir erros do passado. Mesmo com uma normalização dos relacionamentos LGBTQIA+ que não era comum nos anos 2000, ou mesmo uma maior abertura para falar sobre a expressão dos desejos e da sexualidade, a abordagem realizada é tão simplista que não gera nenhum elemento novo em uma discussão essencial na sociedade brasileira após ela passar por quatro anos de governo da extrema-direita com abafamento dos direitos civis de minorias. Até a precarização do trabalho autônomo é levada apenas ao ponto de humor, sem trazer nenhuma reflexão.
Sua maior qualidade se encontra em trazer Nany People como atriz de destaque, talvez a apresentando para um público que ainda não a conhece. Um dos grandes nomes no ativismo LGBTQIA+, a atriz aproveita seu momento de não ser tão jovem para revelar uma faceta menos explorada. Nessa obra, ela traz um elemento sobre a sexualidade de mulheres mais velhas em uma cena bem humorada sem ridicularizá-la, mostrando que existe um modo de criar humor de maneira mais delicada. O buraco deixado pelo falecimento de Paulo Gustavo permanece aberto no cinema brasileiro.
É possível que o longa-metragem atraia público ao cinema, e até tenha uma boa bilheteria, dado o interesse da população pelo gênero que tem boa representação na televisão, mas nem tanto no cinema. Infelizmente, ele não consegue utilizar esse bom gancho para melhorar a qualidade de discussões latentes na sociedade.
A distribuição do filme no Brasil está sendo feita pela Paris Filmes. Verifique a programação na sua cidade.
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