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Foto do escritorCarol Ballan

Fantaspoa Dia 1 | As Formas Complexas, Domo, Haunted Ulster Live e A Filha do Sol

As Formas Complexas (2023, Itália)


Título original: The Complex Forms

Direção: Fabio D'Orta

Roteiro: Fabio D'Orta

Elenco: David White, Michele Venni, Cesare Bonomelli, Enzo Solazzi e Giovanni Corridori


As Formas Complexas é, certamente, um filme de formas complexas. Marcado por um formalismo que transforma cada plano em um quadro, o diretor consegue visuais realmente impressionantes e que ficarão marcados na memória do espectador. Sua falta de enredo e de motivações para os personagens, do entenato, fazem com que aos poucos até essa beleza plástica se perca em detrimento à sensação de vazio e incompletude. Partindo da ótima premissa de um homem que se interna voluntariamente em uma villa italiana onde ele sabe que participará de uma situação de possessão, ele se inicia sem dar muitos detalhes de qual seria esse processo de uma maneira bastante positiva, instigando a curiosidade dos espectadores para compreender toda a situação. Entretanto, ele avança apenas na progressão dos fatos, sem mergulhar nas motivações das personagens ou no processo visualmente lindo, mas um tanto incompreensível para quem não conhece os meandros da mente do diretor.

Acabamos seguindo o filme sendo hipnotizados pela imagem, mas sem chegar a um processo de catarse completa como o cinema é capaz de proporcionar. Talvez pelo acúmulo de funções do diretor, que é também roteirista, editor, diretor de arte e produtor, a falta de um diálogo com o público se torna óbvia e enfraquece o que poderia ser uma obra excelente. Temos uma exibição técnica desse homem multifunções alinhada a uma excelente direção de atores, mas ao acender das luzes, fica apenas a vontade de conhecer um pouco melhor esse universo maravilhoso ao qual fomos brevemente apresentados.


Domo (2023, Espanha e Colômbia)


Título original: Domo

Direção: Tayo Cortés

Roteiro:  Tayo Cortés

Elenco: Christoph Baumann, Ricardo Wilson Cortés, Pedro Guerrero Riascos, Arturo Jacanamejoy, Gabriela Ponce e Jairo Rivera Meza


Pensando comparativamente fica claro que Domo não tem o mesmo requinte técnico que As Formas Complexas, seja por sua estética propositadamente cafona ou por planos muito mais simples, colocados em uma ordem bastante cronológica para não confundir o espectador dada a quantidade de informações que ele apresenta. Ainda assim, ele consegue trazer uma discussão sobre o colonialismo sofrido pela América Latina e suas consequências até hoje no trato dos povos originários que ao menos traz uma pauta importante para discussão, mesmo que dentro de um contexto bastante confuso e pouco esclarecedor.




O que temos é uma obra que oscila entre a comédia e o thriller, mas que não consegue suceder completamente em nenhum dos dois. Conta-se a história paralela entre um homem que cataloga plantas e que está chegando cada vez mais perto de cruzar com uma seita que controla a cidade, e das maquinações dessa própria seita. Assim, entendemos o drama deste homem quando ele tem a filha sequestrada e não consegue resolver o acontecimento com nenhuma das instituições, que são controladas pela seita. Pensando nesse conflito entre os povos originários e a seita branca que na realidade que controla a situação. Mas quando a obra começa a se encaminhar para os caminhos do fantástico e do horror, perde-se a mão e a galhofa resultante é pouco agradável, tanto plasticamente quanto em cena. Ainda que que se compreendam as intenções, tudo se encaminha muito rapidamente e de maneira muito desorganizada, não permitindo que o espectador se junte à narrativa para criar uma jornada conjunta, e consequentemente fazendo com que ele perca o interesse.


Haunted Ulster Live (2023, Reino Unido)


Título original: Haunted Ulster Live

Direção: Dominic O'Neill

Roteiro: Dominic O'Neill

Elenco: Mark Claney, Aimee Richardson, Siobhan Kelly, Antoinette Morelli, Owen James e Brendan Quinn


Existe algo no terror que emula um realismo que consegue fazer com que o espectador fique ainda mais alerta, talvez pelas semelhanças com o mundo que o rodeia. A tática de O’Neill no longa-metragem é aproveitar essa sensação para, primeiro, fazer com que o público relaxe e se divirta com uma matéria jornalística sobre uma casa mal-assombrada que na verdade parece um golpe dado pela dona da casa para atrair dinheiro e atenção. No entanto, em certo momento ele consegue romper a barreira da realidade e partir para o horror, criando ganhos gigantescos em atmosfera e na criação de uma narrativa que permanece assombrando o espectador pelo menos até a hora em que ele for dormir.



Entre piadas que mais parecem saídas de The Office sobre o ambiente de trabalho jornalístico e brincadeiras com filmes de possessão clássicos, como a piada de que tudo sempre acontece no sótão, a obra abre caminhos para que, mesmo sem muita exposição, saibamos um pouco sobre as motivações e medos de todos os que estão ali representados, como o repórter que está sendo esquecido pela televisão ou a apresentadora de um programa infantil que deseja maiores desafios. Ela utiliza o humor para nos fazer relaxar e duvidar dos monstros que sugere, e então aproveitar para estrapolar a barreira do espaço-tempo em seus últimos minutos. A montagem e a fotografia, que utilizam basicamente a linguagem televisiva para emular o realismo, são ao mesmo tempo simples e bem-planejadas. Os personagens, ainda que mostrados apenas por aquele período de tempo, são complexos e engraçados. Assim, por mais que ele não seja uma super produção, o filme cria um bom found footage que utiliza as regras do gênero para divertir e assustar - o que é cumprir com a sua proposta inicial de maneira assertiva.


A Filha do Sol (2023, EUA e Canadá)


Título original: Daughter of The Sun

Direção: Ryan Ward

Roteiro:  Ryan Ward

Elenco: Nyah Perkin, Ryan Ward, Lennox Leacock, Courtney Sawyer, Ryan Giesen e Laura Mac


Entrar em uma sessão sem saber muito o que esperar de um possível terror e ser surpreendida por um belíssimo drama fantástico é uma sensação extremamente gratificante. E o diretor Justin Ward consegue fazê-lo de maneira tão sentimental que deixa seus espectadores emocionados e empolgados para acompanhar a vida de pai e filha.




A obra se inicia sem tratar o espectador como alguém burro, já no meio da ação de pai e filha que estão passando de cidade em cidade e raramente criando raízes. Se não está explícito no roteiro inicialmente, isso há fica claro nos primeiros minutos de Ward em tela. Ele é um homem com Síndrome de Tourette, e está tentando dar à sua filha a melhor vida que pode, mas eles estão sempre fugindo devido a algum problema do pai no trabalho, ou da perseguição da mãe da garota. Esse cenário vai mudando quando a menina cresce e sente a necessidade de expandir o seu universo afetivo.


Inicialmente parecendo um drama, mas evoluindo cada vez mais para o cinema fantástico, o encantamento que a obra causa é ao conseguir traduzir sentimentos extremamente humanos em um universo menos racional, permitindo que as emoções extravasem a barreira da tela. A gentileza do diretor, roteirista e ator principal com o seu personagem, retratado com profundidade inclusive em sua deficiência, se estende a todos os personagens da obra. É muito raro ver tal tratamento sendo dado a personagens neurodivergentes, então a obra já se destaca por esse roteiro e atuações magníficos.


Soma-se a isso uma estética realista com elementos saturados e granulados, evocando a atmosfera dos filmes estadunidenses dos anos 1970, e o resultado é arrebatador. Forma e conteúdo se juntam em uma comunhão rara, que causa uma nostalgia atemporal para tratar um tema universal de forma extremamente específica. Certamente uma das melhores obras vistas no festival, é um filme que permanece com o espectador dia após a sua exibição.




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