Naomi Kawase é mais uma das diretoras já conhecidas de longa data de pessoas que acompanham festivais de cinema. Com mais de 28 anos de carreira, premiações em Cannes e filmes que são sempre aguardados em Mostras de cinema, seus filmes apresentam traços autorais bem claros, que normalmente atraem o público em sua direção. A natureza normalmente é trabalhada em referências xintoístas, ciclos de tempo ou trilha sonora, sendo utilizada tanto na fotografia quanto sonoplastia. Nas suas temáticas, fala-se sobre as conexões humanas, e assim como em muitas outras cineastas vistas nessa semana, há um foco em personagens que fujam ao padrão social esperado.
Mães de Verdade trata de um tema bastante importante à diretora, que é filha adotiva e muitas vezes trouxe o assunto em filmes ou entrevistas. É impressionante como a narrativa é bem estruturada, com diversas pistas que são dadas no início do filme se tornando recompensas apenas quando ele se aproxima de seu fim, e com a construção de personagens sendo profunda e multifacetada. O filme já se inicia com a mãe não tendo certeza se o próprio filho fala a verdade, e quando se coloca o contexto da adoção, compreende-se que o que se passa em sua cabeça ultrapassa o que pessoas que não passaram por esse processo poderiam pensar. Cria-se um mistério na metade do filme que consegue se desdobrar em ainda mais significados sobre maternidade, mas dado que o filme ainda não estreou oficialmente no Brasil, foi exibido apenas da Mostra de São Paulo, prefiro me abster de falar sobre essa arquitetura das informações para não dar nenhum spoiler.
Se dentro dos seus traços de autoria a natureza se apresenta como algo consistente, nessa obra ela consegue manter o seu padrão. A fotografia de todo o filme é bem pensada, normalmente de maneira a embelezar cada quadro, mas são nas filmagens da natureza que se encontra o ápice da beleza. Há muitas cenas de florações (que na tradição japonesa marcam a efemeridade da vida) e referências ao fluxo de água que marca tanto o parto quanto a inegável ligação física que existe entre as mães biológica e adotiva. Há também preocupação com os sons da natureza, normalmente tranquilos em comparação com o ruído da cidade que aparece quase todas as cenas externas que se passam em ambiente urbano.
Nesse sentido, a edição também acaba seguindo esse fluxo quase natural, fazendo com que o tempo também tenha certo protagonismo no filme. Além dos diversos planos de natureza, há muitos de pessoas refletindo, ou literalmente do tempo passando. Novamente, esses respiros fazem muito sentido dentro da narrativa que está sendo passada, que fala praticamente sobre a vida dessas duas protagonistas. O fato de haver um ritmo mais lento não é de modo algum incômodo, mas sim um detalhe neste modo de construir uma metodologia para contar história.
É inevitável comentar que existe uma série de símbolos que possivelmente o espectador brasileiro não vai conseguir compreender, como questões culturais relacionadas com a adoção, que carrega um estigma em cada país, ou mesmo o quanto a cena do Kiyokazu Kurihara explicando seu problema de infertilidade para o amigo traz de significado para a masculinidade, uma vez que ela também é sentida de maneira diferente em diversos países. Todas essas cobranças sociais são bastante específicas a cada cultura, e como espectadora brasileira, tenho que compreender essa limitação. No entanto, o grande acerto do filme é mostrar a emoção que essas pessoas sentem, que pode ser compreendida em qualquer língua, e também em não mostrar apresentar uma narrativa de um ponto de vista de superioridade, mas sim com um olhar extremamente empático, desenvolvendo como todos chegaram às situações nas quais se encontram. Não há um julgamento moral, mas sim uma tentativa de compreensão e de validação de todos os pontos de vista, algo que raramente é visto em dramas que envolvem a adoção, onde normalmente tenta-se vilanizar uma das partes. O filme cumpre então as altas expectativas relacionadas à diretora, sendo na mesma medida emocionante e, no sentido mais puro da palavra, belo.
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