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Foto do escritorCarol Ballan

O passado repete o presente

Aviso: Esse filme apresenta gatilhos de aborto, suicídio, lesbofobia e violência parental. Para que todo mundo fique bem, se você for sensível aos temas, talvez seja melhor parar de ler por aqui (e não esqueça que não está sozinho, e se necessário, busque ajuda profissional).

Para iniciar mais um texto sobre uma diretora, é interessante analisar o caso de Adelia Sampaio, a primeira diretora negra de ficção brasileira. Ao se deparar com uma notícia semelhante ao caso mostrado no filme e já se vendo trabalhando com cinema, ela tenta financiamento governamental e não consegue, então decide fazer seu filme em esquema de cooperativa. Grava e, para distribuí-lo, consegue fazê-lo através de cinemas pornôs, os únicos que aceitam. Diz ser salva por uma crítica positiva que a fez ter algum público na época, mas segue trabalhando no meio artístico por muitos anos. E é apenas na década de 2010 que é relembrada, quando um festival busca o primeiro filme de autoria de uma mulher negra. Hoje ela concede entrevistas explicando seus projetos para o futuro, falando sobre a importância do posicionamento político de cineastas e o quanto o racismo a acompanha em todos os momentos da vida, mas com impressionante bom humor e vontade de continuar produzindo.

O filme Amor Maldito já se inicia com uma sequência que deixa claro qual será o tom, dado que já nela está o suicídio de Sueli. Enquanto o julgamento de Fernanda ocorre, flashbacks mostram como todo o relacionamento se desenrolou, e as temáticas continuam densas, com agressões entre elas, o pai de Fernanda a agredindo, e acho que todos os tipos de violência que se pode encontrar no meio do caminho. A temática justifique a falta de financiamento, mas em meio a um Brasil ditatorial e conservador, compreende-se por que ele encontrou as suas dificuldades.

São algumas características relacionadas ao desenvolvimento técnico do Brasil na década de 80 que tornam a conexão com o espectador atual um pouco dificultada. O som, por exemplo, parece não ter passado por mixagem, dando o efeito de dublagem falsa. A direção de arte, que ainda estava surgindo no Brasil, deixa os poucos ambientes apresentados no filme simples demais e pouco críveis como locais realmente habitados.

A questão do som dialoga diretamente com o estilo de atuação, também comum no país nos anos 1980, mas que para o espectador atual fica um tanto exagerado. A fetichização da relação lésbica, com cenas de sexo desnecessárias ao andamento da trama também me parece mais uma maneira de vender o filme do que uma intenção excusa da idealizadora, dado o seu propósito de trazer o caso à tona, mas deixa claro o quanto o problema era e é enraizado na sociedade.


O que assusta, principalmente ao assistir ao filme em 2021, onde vivemos um retorno forte do conservadorismo no Brasil, é perceber como a temática geral permanece significativa. A culpabilização de vítimas quando elas pertencem a uma classe minoritária, as tentativas judiciais de apresentar comportamentos comuns como promíscuos (qualquer semelhança com o caso de Mari Ferrer, em pleno 2020, não é mera coincidência), a violência doméstica cometida por parentes, o julgamento vindo através da religião. Se talvez os diálogos do filme pequem um pouco por escancarar demais o que acredita que precisa ser dito, foi um ato de coragem colocá-los na boca de personagens em uma época de tanta repressão. O discurso final de Fernanda, em particular, ainda é extremamente tocante e corajoso – ponto altíssimo do longa.

Amor Maldito acaba sendo um filme bastante difícil de assistir, seja pelas questões técnicas ou temáticas. Ao seu fim, fica apenas a tristeza em pensar em como essas duas mulheres estavam completamente abandonadas pela sociedade, e ao fazer o elo com o presente, o cenário que se apresenta permanece não sendo animador. No entanto, é interessante perceber como o filme foi um ato de coragem da cineasta, e como sua redescoberta pode ter ecos interessantes no presente, uma vez que ela tem planos de lançar novos filmes nos próximos anos. É também interessante dizer que a própria diretora disponibilizou a obra no seu canal do Youtube, exatamente e para permitir que mais pessoas tenham acesso a ela.

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