Dentro de festivais de cinema, normalmente é dado pouquíssimo foco para os filmes documentais. Ainda assim, eles são muito importantes não apenas para a indústria, mas também para direcionar os olhos do público para pessoas e situações reais. Assim, mesmo não escrevendo críticas completas sobre os documentários vistos no TIFF, gostaria de comentar brevemente sobre eles.
Patrice: The Movie (EUA, 2024)
Título Original: Patrice: The Movie
Direção: Ted Passon
Roteiro: Lee Getty, Kyla Harris e Patrice Jetter
Elenco principal: Patrice Jetter, Ollie Robinson, Camilo Velasquez Escamilla, Dustin Sardella e Brooke Olivia Ginsberg
Duração: 102 minutos
No início da sessão do filme, o diretor subiu ao palco para falar algumas palavras e ele não poderia estar mais correto em sua colocação: é impossível assistir a um filme com mais coração do que este. Ele conta uma história absolutamente estadunidense, pois o país praticamente não tem sistema gratuito de saúde. Patrice é uma mulher com deficiência que já tem, por si só, uma história extraordinária por conta das superações passadas em sua vida. Mais do que isso, ela e Gary são um casal de pessoas com deficiência que deseja se casar, mas que sabem que vão perder seus benefícios do governo se o fizerem e não poderão ter as isenções de custos de saúde que têm morando sozinhos.
Assim, o filme acompanha parte do cotidiano dos dois enquanto eles começam a se organizar para protestar contra a legislação que não permite seu casamento, e ao mesmo tempo organizam uma festa para formalizar seu compromisso um com o outro. Além da quantidade gigantesca de amor e companheirismo do casal, também conhecemos seus amigos e parentes.
Algo que o diferencia da maioria dos documentários mais padronizados é o uso da habilidade artística de Patrice, que pinta, para criar uma estética particular e que funciona bem com sua personalidade divertida. Para as cenas nas quais ela narra seu passado, essa mesma estética foi adotada para lidar com seus traumas e situações complexas, com o uso de crianças atrizes para dramatizar as situações de maneira mais leve. O resultado é a criação de um retrato completo e vívido dessa mulher inspiradora e uma mensagem doce de celebração do amor, sendo ele da maneira que for.
Dispersora de Amantes (EUA, 2024)
Título Original: Mistress Dispeller
Direção: Elizabeth Lo
Roteiro: Charlotte Munch Bengsten e Elizabeth Lo
Duração: 94 minutos
Em um espectro totalmente diferente do filme anterior, o documentário Mistress Dispeller vai tratar de uma profissão bem específica chinesa: uma mulher contratada por uma esposa para encerrar um caso extraconjugal do marido sem maiores complicações. Também é uma situação cultural bastante específica e o primeiro choque vem com a produção do filme, que realmente tem acesso a todas as pessoas envolvidas e acompanha o desenrolar da trama quase novelesca. Temos esposa, esposo e amante conversando com essa mulher, que finge situações simplesmente para fazer com que os amantes se separem de maneira mais sutil e o esposo volte para a sua vida normal com a esposa.
Se o drama da situação real é gigantesco, coube a Elizabeth Lo a difícil tarefa de amenizá-lo visualmente, o que ela realiza brilhantemente. Com enquadramentos que mostram a solidão da esposa dentro de sua própria casa a pequenas rimas visuais, como quando se fala sobre o processo de envelhecimento e temos a imagem de uma majestosa árvore em cena, ela consegue manter a poesia da situação de maneira a causar mais reflexões. A primeira tomada do filme, de uma imagem de drone mostrando diversas cenas noturnas de cotidianos de famílias já é muito impactante, fazendo com que se pense na diversidade de existências possíveis no planeta.
Assim, conseguimos ter um vislumbre de uma cultura que não é tão retratada no cinema ocidental de maneira frequente a partir de um ponto de vista bastante intimista. É uma obra que só poderia ser feita dessa maneira e com essas pessoas, o que torna sua própria produção digna de um filme.
Elton John: Never Too Late (EUA, 2024) Ainda sem título em português
Título Original: Elton John: Never Too Late
Direção: R.J. Cutler e David Furnish
Elenco principal: Elton John
Duração: 102 minutos
Como uma boa fã de Elton John, e grande defensora de seu filme musical biográfico Rocketman (2019), seria difícil não assistir ao filme dirigido por ninguém menos do que seu marido, sobre a sua última turnê. Como infelizmente o Brasil não foi parte do circuito dessa turnê mundial, eu queria ter um pouco dessa experiência nas grandes telas do cinema.
O filme segue um formato bastante tradicional em relação a um documentário, passando pelos diversos momentos da vida do cantor e sempre fazendo o paralelo entre seu passado e os momentos que ele viveu em diversas cidades nessa última turnê. Ter um diretor com um acesso tão direto ao cantor e à sua rotina faz uma grande diferença nesse sentido, havendo imagens e pensamentos colocados em câmera que talvez não fossem acessíveis de outra maneira.
Ainda assim, ele é um tanto quadrado em relação ao seu formato, mais parecendo uma série muito simplificada do que um filme. Alguns momentos que parecem importantes para os fãs acabam sendo deixados de lado (como a composição da trilha sonora de O Rei Leão), outros são apenas vislumbrados (como sua conversa com jovens artistas LGBTQIAPN+) e deixam com a sensação de que algo continua faltando para se ter um retrato mais completo e complexo sobre o artista. Seria difícil conseguir cobrir todos os seus anos de carreira e grandes acontecimentos do passado, mas o recorte que é realizado acaba não sendo claro. Assim, por mais que se adore ver uma visão bem acessível do astro, o filme não funciona bem apenas como um filme.
Talvez, por se tratar de um filme da Disney+, ele tenha novos andamentos e acabe se desmembrando em uma série. Mas, para quem ficou ansiosa por mais, resta apenas especular.
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