They Shot The Piano Player / Atiraram no Pianista (Javier Mariscal e Fernando Trueba, 2023)
Antes do filme ser anunciado como abertura do Festival do Rio de 2023, foi peculiar ver na programação de Toronto uma animação espanhola sobre uma história que se passa entre Estados Unidos e Brasil. Com a premissa de uma animação documental sobre uma investigação da morte do pianista Francisco Tenório Júnior durante a ditadura brasileira, o interesse na narrativa se tornou completo.
E o caso é realmente peculiar: um homem que foi fazer um show na Argentina e foi um dos grandes musicistas da MPB brasileira simplesmente desapareceu, deixando família e amigos sem saber o que teria acontecido (mas é claro, imaginando). Nessa mistura de true crime, surge uma animação super estilizada e colorida, se opondo ao drama da história, mas de maneira que faz sentido. Afinal, Jeff é um estadunidense que não está envolvido com o crime, mas o investiga por fora, aproveitando também as cores, calor e alegria do Rio de Janeiro. Aqui, é importante pontuar que há uma visão caricata bastante machista das brasileiras, principalmente na primeira metade da obra.
Apesar de que quanto mais a investigação começa a avançar, mais engajados ficam os espectadores em seguir compreendendo o que acontece, chega um ponto na narrativa no qual se perde o interesse pela compreensão de que todo o interesse no caso vem apenas da falta de conhecimento sobre as ditaduras na América Latina. Ainda que ele tenha as suas particularidades, a história contada é infelizmente muito conhecida pelo público brasileiro. Então no ápice da narrativa para quem não conhece a história da América Latina, esse público já compreendeu toda a história a ser contada e o último ato parece apenas uma análise gringa de algo que já estamos familiarizados.
Ainda assim, é importante destacar dois pontos positivos do filme, sendo o primeiro a sua técnica de animação e seu excelente uso de cores para mostrar o clima do momento. Pode parecer que seu traço é simples no primeiro momento, mas na medida em que a história cresce, ele se complexifica. Além disso, é óbvio, há a trilha sonora. Entre a trilha feita para o filme (sobre um jornalista musical) e o uso de muitas músicas brasileiras muito boas, elas também fazem o filme funcionar.
Assim, imagino que para o público que assistirá no Festival do Rio também haverá a falta de impacto pretendida pela direção. No entanto, ele talvez funcione mais com um público de fora da América Latina.
Hey Victor! (Cody Lightning, 2023)
Meu primeiro - de muitos - filmes canadenses já foi uma experiência bem diferente. Completamente sem saber o que esperar, entrei no filme pela sinopse: Viktor (Cody Lightning) é um adulto disfuncional por conta de seu sucesso quando criança no filme Smoke Signals (Chris Eyre, 1998) e que é real, assim como a atuação de Cody quando criança. O filme então é um mockumentary (documentário falso) sobre sua tentativa de vender o roteiro para a continuação, muitos anos depois.
Esse é o pontapé inicial para compreendermos o estado de vida atual do ator: trabalhando em bicos de pornô gay, alcoólatra e fazendo uso indiscriminado de drogas. Nada além disso. Não há nada de realmente relevante que tenha acontecido desde então, com uma sequência de fracassos que são segurados pela sua melhor amiga e agente Kate (Hannah Cheesman). Quando o filme começa, se inicia a busca deles por dinheiro e pelo elenco do filme anterior para poder fazer a sequência que daria a Viktor o protagonismo que ele acredita merecer.
O maior erro do filme, infelizmente, é tentar demais. Ele levanta a bola para tantas piadas que muitas vezes ele consegue acertar, mas no resto do tempo dá a impressão de quem realmente se esforça e não consegue chegar no objetivo. Há muitos assuntos que são abordados de maneira muito leviana e que, se explorados, trariam um impacto muito maior para o filme, como a situação de vida dos descendentes de povos nativos canadenses e a sua relação com a modernidade. Ao invés de falar sobre a quantidade de pelos de Viktor, ele poderia aprofundar a sua relação com o tio, passando da barreira de apenas sabermos que ele é um trapaceiro profissional. A personagem da Kate é quem consegue ancorar um pouco a mensagem, e traz com ela uma das melhores piadas da obra.
Mesmo assim, é difícil sair do filme sem se sentir uma alegria com o arco de redenção e amadurecimento do personagem principal. O seu terceiro ato, apesar de apressado no sentido de continuarmos sem saber o que se passa internamente com Viktor, tem um encerramento muito comovente, e com o qual quase qualquer jovem adulto vai conseguir se relacionar.
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