The Zone of Interest (Jonathan Glazer, 2023)
Existem algumas coincidências que se tornam eventos canônicos pelo acontecimento em momento de astros alinhados. Assim como no caso de Léa Garcia, que morreu em Gramado na noite anterior à sua homenagem, em The Zone of Interest o autor do livro que inspirou o filme, Martin Amis, faleceu na noite da estreia do longa-metragem em Cannes.
A principal observação sobre o filme sempre será sobre a coragem de Jonathan Glazer em realizá-lo após uma década afastado da direção. Ele é a realização audiovisual do conceito de Hannah Arendt de banalidade do mal, e colocá-lo em produção em um mundo pós-Covid e com o crescimento mundial da extrema-direita é uma tarefa complexa e que poderia dar muito errado, mas tem sucesso nas mãos de um realizador talentoso.
O principal para fazer a obra funcionar era o equilíbrio: conseguir retratar uma família que não fosse excessivamente boa ou má, mas sim que funcionasse da maneira que qualquer família funciona. Colocar a centralidade da trama no drama doméstico ao invés de apenas pular o muro da casa e mostrar o horror real é uma maneira astuta de trazer toda a problemática sem a necessária evocação dos fantasmas da crueldade. Esses são guardados, também sabiamente, para os últimos minutos da trama, deixando o espectador completamente desnorteado com seu impacto.
Apesar das alusões ao acontecido, do uso de saudações nazistas e da compreensão clara sobre o que está acontecendo, a falta de conversa sobre o assunto entre a família é o que torna o roteiro tão interessante. Ao mesmo tempo, detalhes absolutamente assustadores e até difíceis de compreender no primeiro momento, como quando as roupas que chegam na casa sendo divididas entre as mulheres, geram a reflexão pós-filme que permanece ocupando a mente de quem o assiste. É no jogo entre o que é dito e não dito, mostrado e não mostrado, e na paciência de guardar o peso para os momentos finais, que a obra se diferencia dos clássicos que arrastam a dicotomia entre heroísmo e vilania.
A técnica, além do texto, também faz a diferença. O uso de câmeras quase escondidas para capturar as cenas da família no jardim causam uma naturalidade que dificilmente seria obtida de outra maneira. O talento dos atores principais Sandra Hüller e Christian Friedel também não pode ser desprezado nesse sucesso, com a transmissão não caricata de pessoas que sabem que estão realizando o mal, mas supostamente com um objetivo principal. Juntos, os dois fatores permitem que a obra ganhe força. E somados à direção minimalista, mas detalhada, geram um filme difícil de esquecer.
All The Light We Cannot See (Stephen Knight e Shawn Levy, 2023)
O completo oposto desta situação é a adaptação do romance All The Light We Cannot See, sendo o livro original de Anthony Doerr. Apesar de ambos serem adaptações de livros sobre a II Guerra Mundial, este possui uma visão maximalista e extremamente americanizada do conflito, o que parece óbvio quando pensamos em sua produção estadunidense. Contando a história de dois jovens que têm as vidas estranhamente cruzadas pelas ondas do rádio, acompanhamos Marie-Laurie (Aria Mia Loberti) e Werner (Louis Hofmann). Ela é uma garota cega que transmite um programa no rádio com a esperança de encontrar seu pai, enquanto ele é um soldado nazista que ouve esse programa, por estar sendo transmitido em uma frequência na qual ambos ouviam um programa de ciências quando eram mais jovens.
Não escrevo sobre a adaptação das obras porque não li nenhum dos dois livros; no entanto, observando-os como figuras fílmicas, parece que um consegue errar absolutamente tudo que o outro acertou. Os personagens são extremamente estereotipados apenas como “os nazistas maus”, ao mesmo tempo em que se cria uma higienização para permitir que um personagem seja “o nazista bonzinho”. De diálogos mal realizados a alemães que se comunicam principalmente apenas gritando, apesar de não ser uma série que apresenta uma violência gráfica elevada, ela consegue ignorar toda a revisão histórica feita nos últimos anos em relação ao holocausto.
Até a estrutura utilizada parece inadequada, com a apresentação dos personagens no presente e o uso constante de flashbacks para mostrar como eles chegaram até ali. Por mais que haja um bom casting, se torna difícil entender a linha do tempo, e os sentimentos pelos personagens acabam sendo excessivamente conflitantes. E o casting de Mark Ruffalo como Daniel LeBlanc, pai sensível de Marie-Laurie, se torna muito estranho quando sua imagem ficou tão atrelada ao personagem Hulk da Marvel.
A exibição realizada foi apenas dos dois primeiros episódios, e pelo trailer mostrado ao final, é mostrado que a segunda parte será mais focada na aventura e na ação, o que parece ainda mais perigoso. Agora, basta decidirmos se ela valerá o esforço quando os novos episódios forem lançados no dia 2 de novembro.
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