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Foto do escritorCarol Ballan

TIFF dia 10/set: Unicorns, Memory, Summer Qamp e Humanist Vampire Seeking Consenting Suicidal Person

Unicorns (Sally El Hosaini e James Krishna Floyd, 2023, EUA, Reino Unido e Suécia)

“O que acontece quando um homem heterossexual não percebe que a mulher pela qual se atraiu é, na verdade, uma drag queen?” pode parecer o início de uma piada bastante homofóbica. Felizmente, os diretores de Unicorns conseguem trazer a discussão para um nível mais elevado e realmente consegue refletir sobre a homofobia e a autodescoberta quando se está em um universo absolutamente heterossexual.



Luke (Ben Hardy) é esse homem. Um dia, quase por acaso, ele entra em uma festa desconhecida e vê uma pessoa dançando no palco como uma deusa. É Aysha (Jason Patel), uma drag queen que performa uma dança e que sai do palco para conversar com o rapaz que a beija, percebe que ela não é uma mulher cis, se desculpa e vai embora. Mas a química daquele primeiro encontro permanece e, com a insistência e paciência de Aysha, eles passam a se relacionar.

O filme tem bons diálogos quando mantém ambos personagens na chave de honestidade brutal: Aysha tem uma vida dupla, não tendo descoberto se é uma mulher trans ou um homem gay particularmente feminino, com dificuldades financeiras e que não conseguiria mais viver uma vida nos moldes da cisnormalidade de seus pais. Luke é um pai solteiro, lidando com o dia-a-dia de trabalho como mecânico e repensando seus conceitos sobre a própria sexualidade. Eles enfrentam conflitos e violências estruturais, mas parecem comprometidos com a paixão.

Há, claro, as mesmas dificuldades estruturais existentes ao tratar de pessoas não normativas na tela: a recorrência da temática da violência, a necessidade dela lutar mais fortemente pelo amor, de se apaixonar por uma pessoa levemente monótona. Mas mesmo com essas questões levantadas, o resultado final é positivo quando pensamos na história que é contada e no carinho dos realizadores com seus personagens. Aysha, em particular, consegue transmitir a sua complexidade e beleza pela tela fazendo com que todo o público se apaixone com Luke. O uso da trilha sonora também é muito bem colocado para compreensão desse universo queer asiático que uma brasileira não tem nenhuma conexão.

É raro termos filmes que tratam dos momentos de insegurança e questionamentos dos personagens queer de maneira respeitosa e afetiva. Permanecemos precisando de cada vez histórias mais diversificadas, mas esta obra parece um passo em relação a essa representatividade nas telas.


Memory (Michel Franco, 2023, EUA, México e Chile)

Algo que sempre pode ser dito sobre o diretor mexicano é que ele não tem medo algum de ser ousado e tocar em temas sensíveis. Ele faz isso novamente em Memória, quando uma assistente social (Jessica Chastain) reencontra o colega de escola Saul (Peter Sarsgaard) em um encontro de ensino médio e ele a segue até sua casa. Se já começamos o filme percebendo que Sylvia é uma mulher traumatizada, nos alcoólicos anônimos e que tem relações complexas com homens (seu padrinho da A.A., o homem que vai consertar a geladeira), sentimos o mesmo medo que ela quando vemos a cena. Mas ao compreender que Saul é um homem com demência precoce, há um certo alívio, que novamente é removido quando a primeira conversa entre eles acontece. Através desses tensionamentos e pacificações se inicia uma história de amor entre duas pessoas que estão lidando com suas memórias.



É impressionante o quanto o filme consegue mostrar sobre passado, presente e futuro sem nenhuma necessidade de verborragia, algo que seria um lugar-comum se tratando de um filme sobre memória. As atuações, somadas à direção e a uma fotografia belíssima que mostra Nova York de maneira muito particular, fazem com que a história se sustente apesar da sua improbabilidade. Os pequenos gestos de Chastain para demonstrar a abstinência são uma visão sensível e ao mesmo tempo sincera sobre a vida de pessoas que lutam contra vícios.

Há alguns momentos em que a obra tenta abarcar situações demais, principalmente se tratando da relação de Sylvia com sua mãe abusiva. Apesar disso fazer parte da caracterização da personagem, é doloroso perceber essa relação como realista e presente na vida de muitas pessoas que sofreram abusos sexuais. Mas esta é mais uma obra que eu desejo rever em seu lançamento no Brasil, justamente por conta de suas nuances que não podem ser captadas em uma única sessão e no meio de tantas outras.


Summer Qamp (Jennifer Markowitz, 2023, Canadá)

Mais um filme assistido apenas por conta da seleção canadense e queer do festival, Summer Qamp se revelou um documentário incrível. Através de uma oportunidade única que é o acampamento fYrefly, voltado para jovens de 14 a 24 anos que estejam na comunidade LGBTQIA+ e criado justamente para ser um espaço de acolhimento e diversão juvenil. Apesar de grande parte do enredo ser definido justamente por esta locação única, também é mérito da diretora Jen Markowitz criar uma metodologia de trabalho que tornasse aquele um espaço seguro, permitindo com que os jovens se expressassem.



Já é um alívio para uma pessoa LGBTQIA+ poder assistir um filme que mostre crianças da comunidade se conhecendo, relacionando e se divertindo - dada a dificuldade dessa fase da vida e a solidão profunda que se pode passar. É mais alegre ver o envolvimento das famílias no projeto, e perceber como uma geração pode avançar em relação à anterior. Mas sem a técnica, essas seriam apenas imagens desconexas de pura alegria e energia queer.

Ao realizar entrevistas com os jovens em suas casas antes de ir para o acampamento, além de criar uma possibilidade de edição que trouxesse uma linha de edição mais contínua, possibilitou ao público aprofundar seu interesse e empatia com aquelas crianças que poderiam ser apenas tipos. Mostrar algumas das identidades e a particularidade que é cada indivíduo é o tipo de iniciativa que dá mais vida às histórias LGBTQIA+ e pode trazer pessoas que desconhecem o universo a se aproximar.

Obviamente, o documentário é uma pausa feliz e real em uma programação de filmes repletos de violência e tristeza. Ou seja, ele é essencial para que a pessoa que assiste o festival possa terminá-lo com certa saúde mental.


Humanist Vampire Seeking Consenting Suicidal Person (Ariane Louis-Seize, 2023, Canadá)

Se o filme não fosse uma comédia romântica fofa e com um estilo que pode torná-la icônica, ele ainda merecia o prêmio de melhor título do festival: em tradução livre, Vampiro Humanista Busca Pessoa Suicida Consensual.

Você é um vampiro. Imagina-se que a primeira coisa que você vai aprender é como satisfazer a sua única necessidade básica, o sangue, certo? Não. Infelizmente você é um vampiro com uma alteração e ao invés de sentir o instinto de caça, você sente empatia. Como sobreviver?



Este é o exato drama de Sasha (Sara Montpetit), que é resolvido ao longo de um filme que mistura o cinema de gênero, drama, comédia e o coming-of-age. Percebendo que ela não terá a ajuda dos pais para sempre para receber alimento, ela finalmente precisa aprender a se alimentar: mas como fazer isso de forma que respeite seus instintos? Nessa busca que o nome do filme se dá, quando ela decide que a melhor opção é matar uma pessoa que já planejava se suicidar. E vendo Paul (Félix-Antoine Bernard) ela encontra a situação perfeita, mas tenta resolver os últimos desejos do rapaz antes de matá-lo.

Além do roteiro divertido e que foge dos estereótipos tanto de coming-of-age e quanto de filmes de vampiros (apesar de trazer uma lembrança de Garota Sombria Caminha pela Noite (2015)), há um charme que o torna mais interessante do que pareceria inicialmente. E esse charme se dá na mistura da atuação de Sara com uma estética bastante específica e atual, brincando com a mistura do moderno com o vintage. O uso da fotografia que prioriza planos abertos e com profundidade dos cenários permite um detalhamento mais complexo da personalidade da personagem, principalmente a partir de seu quarto.

Há uma descontração na forma de tratar temáticas pesadas como o suicídio e o abuso, mas percebe-se que nunca se ultrapassa a linha tênue do respeito. É uma obra com um grande potencial de criar uma base de fãs grandes e apaixonados, pensando nessa amizade inicialmente inexplicável e nas peculiaridades da protagonista. Ele se comunica com toda uma camada da sociedade que se sente única, excluída - sendo ela vampira ou não. Essa universalidade permite a aproximação, e a estranheza bem colocada faz com que o espectador saia encantado.


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