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Foto do escritorCarol Ballan

Trilhos, esperança e fuga


Aviso: a série apresenta diversos gatilhos de violência, racismo e violência contra a mulher.


A série Underground Railroad teve sua primeira temporada produzida e exibida pela Amazon Prime Video, com Barry Jenkins no papel de showrunner dando uma aula prática de como criar uma narrativa que envolve violência e sofrimento sem deixar que os mesmos se tornem os protagonistas da história.

A minissérie é uma adaptação da obra homônima de Colson Whitehead e narra a tentativa de Cora, uma mulher escravizada no Sul dos EUA, de fugir desta região em busca de sua liberdade. Algo muito importante é que se trata de uma ficção científica baseada em uma realidade histórica, sendo que a Underground Railroad real foi um conjunto de rotas utilizadas pelos escravizados para fugir para o Norte ou Canadá, e não uma real linha de trem subterrânea, como a mostrada no livro e série. O que ambas obras fazem excepcionalmente bem é mostrar todas as gradações possíveis de racismo no país, algo inclusive muito atual dadas as manifestações estadunidenses relacionadas à violência policial contra a população negra principalmente em 2020 após o assassinato de George Floyd.

Como adaptação do livro para o audiovisual, a série faz um trabalho genial, conseguindo alterar alguns detalhes da ordem original do livro para criar maior dramaticidade, mas sem nunca alterar o princípio da narrativa original: os trilhos são sempre a esperança, mesmo que muitas vezes não levem a lugares melhores. Há alguns outros detalhes adicionados, como as sementes de quiabo, que trazem apenas mais camadas de interpretação sobre o assunto principal: a resistência mesmo quando todas as chances estão contra você. Por se tratar de uma obra de época, o retrato histórico parece muito bem colocado, ainda que haja o forte elemento de ficção dos trilhos do trem.

Outra excelente contribuição para a adaptação é a atriz Thuso Mbedu, que dá vida a Cora. É um clichê falar sobre atrizes que entregam o sofrimento através do olhar, mas ao mesmo tempo esse clichê cabe perfeitamente a situação, gerando empatia em quem assiste. Além disso, sua corporalidade também é incrível, com a postura que muitas vezes parece modesta, mas esconde uma resistência e dureza aprendidas a custos altíssimos, algo que só torna os momentos em que ela está relaxada mais interessantes porque ao mesmo tempo que se admira o sorriso, se espera a próxima situação de complexificação de sua história.

A qualidade técnica da fotografia e montagem também impressiona. Apesar de muitas vezes haver um tempo mais dilatado, que pode ser mais difícil de acompanhar para o espectador ávido por mais ação do que reflexão, a série aproveita bem as paisagens naturais do Sul do país para explorar a beleza natural existente em meio à crueldade humana. A oportunidade de mostrar diversos estados também é feita de ótima maneira, com a paisagem mudando para o espectador na mesma medida em que se altera para Cora. A direção de arte é usada de maneira excelente à narrativa, principalmente no episódio da Carolina do Sul, indicando o racismo mais velado e persistente da europeização dos corpos negros.

Enfim, é uma minissérie muito potente e que aproveita da melhor maneira possível o passado para causar uma reflexão sobre presente e futuro, deixando claras as violências mas não as romantizando. Esse elo está presente na própria estrutura do episódio: se na Undergound Railroad muitas vezes as músicas eram ensinadas como uma forma de indicar o caminho a seguir para a fuga, nos créditos finais de cada episódio há uma música moderna de autores negros e que refletem sobre a situação racial do país, como a já conhecida “This is America”, música de Childish Gambino cuja letra e clipe refletem sobre esse historico violento do país.


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