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Foto do escritorCarol Ballan

Voltei!


É difícil assistir Voltei, novo filme da dupla Ary Rosa e Glenda Nicácio, sem sentir nenhuma dor no peito em sua exibição. Ambientado em um Brasil de 2030, no qual se vive uma “República do Disparate” na qual até camadas de classe média-alta - ou o que seria a classe média-alta nessa sociedade - da população estão totalmente sem energia elétrica. A distopia acompanha uma noite das irmãs Alayr e Sabrina, que estão acompanhando através de um rádio de pilha uma votação que pode mudar a história do país, mas são surpreendidas quando sua irmã Fátima retorna do mundo dos mortos para juntar-se à elas.

Nesse cenário de apagão, a resolução encontrada pela dupla de filmar basicamente em torno de uma mesa de jantar funciona de maneira dupla: em termos de produção, dado que o filme foi produzido durante a pandemia de Covid-19, e como solução cênica para não ter que exibir todas as mudanças que uma cidade assumiria em 10 anos. Isso ao mesmo tempo gera a sensação de enclausuramento que já nos é tão comum durante o isolamento social, e combinado com a pouca quantidade de cortes faz com que movimentações de câmera tenham grande ênfase, como no final do filme.

Ao mesmo tempo que essa escolha favorece o longa, também gera certa pressão sobre as atrizes, e é perceptível que o ritmo de conversa entre as três ganha muito dinamismo com a chegada de Fátima. Não apenas pela inclusão das belíssimas e às vezes engraçadíssimas canções, mas também pelas atuações, que parecem mais relaxadas - até pela chegada inesperada de um conforto de um passado que elas nunca mais esperavam encontrar. Há, além de muito alívio cômico, essa nostalgia que não é exatamente sobre tempos melhores, mas sobre tempos nos quais se podia estar com aqueles a quem se amava, e de apesar de esperar notícias que podem alterar o resto de suas vidas, ainda ser possível comentar sobre fofocas do passado enquanto se bebe cerveja quente.

Algo que também é digno de nota é a utilização de palavras na obra. A escolha de “República do Disparate”, por exemplo, para nomear o governo, não só faz crítica clara ao momento em que estamos vivendo, lotado de fake news e descrença no pensamento científico que nos deixa em situação ainda pior que a necessária durante a pandemia, dado que o vírus circula entre a população. O título também mostra o quanto nossos sistemas são escusos, e sugere que o nome ditadura jamais será repetido, ainda que as suas maneiras, sim. Colocar sobrenomes conhecidos nos ministros que estão na votação deixam claro o quanto a nossa política se perpetua nas mesmas mãos ao longo de anos, e reflete o presente quando percebemos o quanto de nossos políticos são dos mesmos núcleos familiares desde a época da política do Café com Leite.

É quase impossível não terminar o filme sem dar pelo menos uma risada das histórias infantis ou se identificar com alguma das irmãs, mas principalmente sem concordar com o lema do filme: “O Brasil machuca”. Machucou, machuca, e machucará. Basta entendermos, como nação, qual será a nossa capacidade de dizer - “Basta”.



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