13º Olhar de Cinema | Crítica | A Transformação de Canuto

A Transformação de Canuto (Brasil, 2023)

Título Original: A Transformação de Canuto

Direção: Ernesto de Carvalho e Ariel Kuaray Ortega

Roteiro: Ernesto de Carvalho e Ariel Kuaray Ortega

Elenco principal: Fabricio “Alvaro” Benitez, Thini Karay Ramirez, Carla Benitez

Distribuição brasileira: Atualmente sem distribuidora oficial

Duração: 130 minutos

Existe uma América Latina quase esquecida pela população de suas grandes aglomerações urbanas. A ausência de atenção até mesmo do Estado fez com que o projeto Vídeo nas Aldeias surgisse em 1986, pensando em fomentar um cinema feito por indígenas. Não à toa, ainda em 2024 o projeto colhe seus frutos. A capacitação é um caminho essencial para dar visibilidade aos discursos dissidentes, para poder colocar ideias políticas à mesa. E Ariel Ortega mostra ter grande domínio dessa habilidade.

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A história que ele se propõe a contar, em primeiro momento, já é de difícil entendimento por pessoas não-indígenas por conta de sistemas de crenças diferentes. Canuto foi um homem Mbyá-Guarani que começou a ter comportamentos estranhos, fixação pela caça, ciúmes excessivo, e acabou virando uma onça e tendo um final de vida bastante violento. E os diretores-roteiristas vêm em um primeiro momento tentar contar essa história de uma maneira um pouco mais tradicional, fazendo uma pesquisa filmada e tentando encenar os acontecimentos. Mas percebem que apenas apresentar uma encenação seria uma adaptação da sua visão de mundo para caber em uma caixa do que seria o cinema brasileiro não-indígena.

Assim, a ficcionalização e as partes documentais se misturam em um modo de fazer filme não convencional e, exatamente por isso, muito significativo. Entre a passagem do tempo convencional, percebemos uma história mais real ainda sobre como fazer esse filme. Quais seriam os limites do que se pode ou não buscar informações sobre um fato do passado cuja importância é de ser uma história quase caucionária sobre perigos de ceder aos pensamentos negativos. Enquanto o realizador faz essa pergunta a si mesmo, ele nos mostra o seu processo de questionamento interno e nos convida a fazer essa jornada com ele em busca de respostas.

Temos uma obra que funciona tanto como resposta ao questionamento como uma forma de ressaltar a necessidade de um cinema indígena feito sem as amarras do cinema estadunidense. Claro, como crítica e com uma formação tradicional, eu poderia falar sobre a edição que cria um ritmo lento e que pode perder espectadores. Mas também como crítica, é necessário perceber o meu papel como o olhar ao qual o filme pretende se opor. Ele se coloca quase como um lembrete de qual o papel do meu trabalho.

Além de um trabalho essencial de preservação da memória de um momento da tribo, e também esse lembrete aos espectadores de que existe, sim, um olhar opositor que precisa ser compreendido. Um lembrete ao brasileiro de que a nossa visão de povos indígenas pode ser muito romantizada ou preconceituosa, e que lidar com os povos reais é o mais importante para que possamos evoluir como sociedade.

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