Um Dia Antes de Todos os Outros (Brasil, 2024)
Título Original: Um Dia Antes de Todos os Outros
Direção: Fernanda Bond e Valentina Homem
Roteiro: Fernanda Bond, Jô Bilac e Valentina Homem
Elenco principal: Clarissa Pinheiro, Mariana Bittencourt, Elvira Helena, Geandra Nobre e Ruth Mariana
Distribuição brasileira: Atualmente sem distribuidora oficial
Duração: 73 minutos
Quando duas sessões de cinema seguidas abordam um tema específico, é difícil não criar uma linha de diálogo entre elas, por mais diferentes que sejam os filmes. A exibição deste filme no festival aconteceu logo após a de Ivo (Alemanha, 2024), que traz a história de uma cuidadora de pacientes em cuidados paliativos. Aqui, temos uma situação muito mais brasileira. Marli (Clarissa Pinheiro) é cuidadora de Iara (Elvira Helena), uma senhora que já não fala e tem dificuldade de locomoção, após anos sendo empregada doméstica da família. Mas já no início do filme temos um conflito ocorrendo, pois a casa que Iara mora foi vendida e seu filho, que nunca aparece em tela, pede a Marli que desocupe a casa e entregue a senhora aos cuidados de um asilo. Marli pede então ajuda à sua filha Sofia (Mariana Bittencourt), que vem da Maré para ajudar a mãe.

Aqui, as relações de classe e raça são muito mais relevantes que no caso anterior. Por exemplo, Marli foi morar com a patroa e Sofia passou a viver com a vizinha, criando uma relação de afeto diferente com a mãe. Marli também nunca teve tempo de aproveitar a própria vida, sempre trabalhando, e agora poderá voltar a Olinda, onde comprou seu terreno e pretende viver uma vida tranquila. O longa encaminha-se então para um drama que prioriza a relação entre essas mulheres e suas complexidades.
Nos primeiros momentos, a fotografia do filme parece estranha. Com um foco muito próximo, ela persegue as personagens de perto e desfoca tudo ao seu redor. Nos primeiros momentos, por exemplo, nem conseguimos ver Iara enquanto Marli cuida dela. Mas na medida em que essas relações vão se cruzando e se aprofundando, esse mesmo foco consegue se amplificar. A técnica, então, é utilizada para reforçar a mensagem do filme de modo sutil, mas engenhoso.
As atuações são outro elemento essencial para a obra, dado que a maior parte de seus acontecimentos está em diálogos que acontecem em um único ambiente, o apartamento. Desde a expressão corporal de Elvira Helena até o tom de voz quase de quem como fala com uma criança das outras personagens, é necessária uma delicadeza para não chegar a um resultado caricato. Elas conseguem, através do roteiro bem estruturado, trazer diversas questões de raça, classe, idade e cultura que poderiam ser panfletárias, mas são colocadas como essenciais para essa nova convivência.
Assim, o filme fala sobre muitos assuntos de maneira sensível, e cria mais uma discussão necessária na sociedade brasileira. E nos lembra que ainda temos muitos problemas a resolver antes de chegarmos ao nível de cuidados paliativos mostrado na obra anterior.