Kasa Branca (Brasil, 2024)
Título Original: Kasa Branca
Direção: Luciano Vidigal
Roteiro: Luciano Vidigal
Elenco principal: Daniel Braga, Gi Fernandes, Diego Francisco, Ramon Francisco, Big Jaum e Teca Pereira
Duração: 104 minutos
Distribuição brasileira: Vitrine Filmes
Luciano Vidigal estreia na direção solo com um longa premiado que retrata as lutas e os anseios da periferia carioca.
Desempregado, com três aluguéis atrasados e endividado, Dé (Bg Jaum) faz o possível para cuidar de sua avó, Dona Almerinda (Teca Pereira), diagnosticada com Alzheimer e debilitada fisicamente, enquanto sustenta a casa em uma comunidade em Chatuba, no Rio de Janeiro. Ao lado de seus dois amigos inseparáveis, Adrianim (Diego Francisco) e Martins (Ramon Francisco), ele busca formas criativas de ganhar dinheiro, contando com o apoio dos moradores do complexo e reunindo coragem para procurar seu pai ausente em busca de ajuda.

O sucesso de Cidade de Deus em 2002 trouxe à tona a realidade visceral e crua da periferia carioca. Indicado em quatro categorias no Oscar, o filme se tornou uma referência para as produções brasileiras no cinema e na televisão nas décadas seguintes. Tropa de Elite, Alemão, Impuros e, mais recentemente, a série Cidade de Deus: A Luta Não Para — derivada do universo de Fernando Meirelles — são exemplos dessa influência no audiovisual nacional. Entre algumas dessas produções, um nome se destaca: Luciano Vidigal. O ator, roteirista e diretor de teatro esteve em filmes como Tropa de Elite 2 e Cidade dos Homens como ator e colaborou como diretor no longa 5x Favela. Agora, ele estreia como realizador solo em Kasa Branca, obra inspirada em uma história real que segue o estilo de seus precursores, mas o reinventa à sua maneira, conquistando destaque em vários festivais brasileiros e prometendo atrair o público às salas de cinema.
Humanizar. Esse é o aspecto que Luciano Vidigal destacou sobre Kasa Branca em uma de suas entrevistas de divulgação. “Trabalhamos muito a humanidade e muito a poesia, que é o que o povo merece. Torço para que o filme tenha uma boa carreira, e acredito que vai haver uma identificação verdadeira. É um filme feito do povo e para o povo. Afinal, é o filho da empregada doméstica que está fazendo cinema.”
Diferente do que já vimos tantas vezes nas telas, Vidigal retrata a periferia no cotidiano, na labuta do dia a dia. Não é o famigerado confronto com a polícia, embalado pela trilha sonora dos tiroteios, ou as estratégias do tráfico. Seus personagens se recusam a ser vistos como vítimas. Eles estão cientes das dificuldades financeiras, sociais e políticas, mas não se acovardam nem as enfrentam de forma agressiva; respondem reivindicando respeito, direitos inegáveis e a qualidade de vida que deveria ser garantida a todos os seres humanos.
Dé, assim como seus amigos, a dona da academia ou seus vizinhos, sobrevive no contexto da expressão popular: “cobre a cabeça e descobre os pés.” Arruma o dinheiro do remédio, mas fica devendo o aluguel. Arrecada dinheiro com uma festa, mas sobrecarrega o cartão da mãe de Adrianim com despesas. Ainda assim, eles respondem às adversidades com cultura e companheirismo: música, grafite, dança. E isso, como menciona Vidigal, é refletido na parte técnica do filme, com movimentos de câmera mais suaves, uma fotografia contemplativa que valoriza paisagens naturais e uma trilha sonora com raps e funks carregados de críticas sociais. É uma humanização que transborda da narrativa e contagia a forma.
Kasa Branca oferece ainda mais do que a representação de histórias pretas e periféricas nas telas. Ele impacta o cinema e a sociedade ao trazer protagonismo negro não apenas no elenco, mas também nos bastidores e no circuito cinematográfico. Vidigal — que, diga-se de passagem, também assina o roteiro do filme — tornou-se o primeiro diretor negro premiado na categoria de Melhor Direção de Ficção do Festival do Rio, além de conquistar outros dois prêmios para artistas negros na mesma premiação. O longa, assim, defende uma negritude que transcende as telas. Destaque também para as participações de Babu Santana, Roberta Rodrigues e Gi Fernandes, que brilharam em 2024 com Oeste Outra Vez, Cidade de Deus: A Luta Não Para e Os Outros, respectivamente.
Embora a trama aborde eventualmente a criminalidade, questões morais duvidosas e orgulhos questionáveis, ela reflete personagens imperfeitos que buscam formas de expressão e resistência em meio aos corres e limites sociais. Kasa Branca é, acima de tudo, um reforço identitário para o afro-brasileiro e uma resposta aos estigmas construídos no audiovisual por outras vozes e olhares que não os seus.