Crítica | Emilia Pérez

Título Original: Emilia Pérez

Direção: Jacques Audiard

Roteiro: Jacques Audiard, Thomas Bidegain e Nicolas Livecchi

Elenco principal: Zoe Saldana, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez, Adriana Paz, Edgar Ramírez, Mark Ivanir, Eduardo Aladro e Emiliano Hasan

Duração: 130 minutos

Distribuição brasileira: Paris Filmes

O Caso Emilia Pérez: Polêmicas e Controvérsias da Aposta Premiada da Netflix para a Temporada

Se você é brasileiro e esteve conectado à internet na última década, provavelmente conhece a frase: “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim” – um clássico, não é mesmo? E, se esteve conectado nos últimos meses, com certeza acompanhou a crescente rivalidade entre Emilia Pérez e Ainda Estou Aqui na corrida pelo prêmio de Melhor Filme Internacional na temporada de premiações de 2025. A disputa foi alimentada pelos prêmios e pelas polêmicas envolvendo a grande aposta da Netflix, chegando ao ponto de mexicanos fazerem campanha para o filme de Walter Salles, boicotando – sem sucesso – o desempenho de Emilia Pérez. Mas, em meio a tudo isso, sobre o que realmente é o filme?

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Emilia Pérez acompanha a advogada Rita (Zoe Saldaña) que, insatisfeita com o sistema judicial mexicano, recebe uma proposta irrecusável: ajudar Manitas (Karla Sofía Gascón), um temido líder de cartel, a fingir sua própria morte, permitindo que finalize sua transição de gênero e ressurja como a mulher que sempre desejou ser secretamente.

O longa, permeado de representatividade e conflitos atuais, chamou a atenção desde sua première no Festival de Cannes 2024. Lá, recebeu o Prêmio do Júri e o de Melhor Atuação para o trio Karla Sofía Gascón, Zoe Saldaña e Selena Gomez, abrindo caminho para uma carreira promissora. Com dez indicações ao Critics’ Choice Awards, onze ao BAFTA e quatro vitórias no Globo de Ouro, o filme parece um sucesso incontestável. Contudo, com a aclamação, vieram à tona também as controvérsias.

Embora se passe no México e denuncie a violência desenfreada do narcotráfico, tema que envolve inúmeras vítimas inocentes e famílias destroçadas, a obra foi dirigida pelo francês Jacques Audiard, com um elenco majoritariamente formado por atrizes americanas e espanholas, além de ter sido filmada em estúdios parisienses. Para piorar, Audiard admitiu publicamente não ter se aprofundado na cultura mexicana, afirmando que seu conhecimento prévio era suficiente para representar o povo de forma autêntica e livre de estereótipos.

Diante de toda a repercussão externa, como fica a experiência cinematográfica individual? Afinal, os bastidores são importantes, inquestionavelmente, mas um filme deve ser analisado, acima de tudo, pelo que está em tela. É o que vemos e sentimos da porta do cinema para dentro que realmente conta.

Infelizmente, os problemas externos acabam refletindo na experiência interna. Emilia Pérez transforma o que poderia ser uma jornada melancólica em um musical extravagante. Os diálogos, carregados de dilemas morais, são cantados em músicas recheadas de jargões, mas vazias de melodias cativantes. Para mim, como entusiasta do gênero musical, foi decepcionante que nenhuma música fosse sequer agradável, muito menos memorável. Os números musicais carecem de impacto e sofrem com uma segmentação pouco envolvente. Originalmente concebida como uma ópera de quatro atos, a adaptação para o cinema opta por um excesso de estímulos visuais dinâmicos, sacrificando a sutileza e o refinamento técnico.

Ainda assim, é inegável que a direção de Audiard possui personalidade. O cineasta busca uma forma tão disruptiva quanto o conteúdo, e isso se reflete em movimentos de câmera ágeis e cenas com intensidades distintas. A coreografia provocativa de El Mal, a psicodelia de Mi Camino e o ritmo frenético da perseguição no trecho final demonstram uma tentativa de originalidade. No entanto, essa busca frequentemente recai em uma artificialidade de filtros e efeitos visuais que, em vez de enriquecerem, empobrecem a produção.

Adicionalmente, o desempenho de Selena Gomez como a esposa de Manitas deixa muito a desejar, tanto em atuação quanto no uso de um espanhol pouco convincente. O filme também virou pauta por recorrer pontualmente à inteligência artificial para aprimorar a performance vocal de Karla Sofía Gascón, que, como reflexo dos medicamentos do processo de transição de gênero, teve instabilidades nas cordas vocais.

Zoe Saldaña – conhecida como uma atriz de blockbusters, com duas das maiores bilheterias do cinema em seu currículo -, por outro lado, surpreende com uma performance intensa. Ela entrega alguns dos raros bons momentos do longa. Sua personagem, Rita, é considerada como coadjuvante, ainda que seja central para o enredo. Mesmo assim, tem seus conflitos negligenciados pelo roteiro em favor de Manitas e seu protagonismo no processo de transformação em Emilia Pérez. A protagonista por sua vez, tem mais tempo de tela, o que não se traduz em aprofundamento da personagem. Seu arco dramático é superficial, confundindo a ideia de não julgar o passado de alguém com simplesmente ignorá-lo, o que compromete uma construção mais tridimensional de sua jornada. Subtramas como a da organização Luzinhas, que propõe mudar a realidade mexicana de forma reducionista, também não ajudam.

Concluo este texto voltando ao início: críticas ou elogios, todos falam sobre Emilia Pérez. Esse burburinho será o combustível que provavelmente levará o filme a triunfar no Oscar 2025, ainda que continue sendo detonado pelo boca a boca. Fale bem ou fale mal, o fato é que seguimos falando dele. Ponto para a Netflix.

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