Críticas a Dois : Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa

Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa (Brasil, 2024)

Título Original: Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa

Direção: Fernando Fraiha

Roteiro: Elena Altheman, Fernando Fraiha e Raul Chequer

Elenco principal: Isaac Amendoim, Pedro Dantas, Anna Julia Dias, Lorena de Oliveira, Davi Okabe, Luis Lobianco e Augusto Madeira

Duração: 90 minutos

Distribuição brasileira: Paris Filmes

Texto por Carol Ballan

Quando as luzes do cinema se apagam e somos apresentados ao universo criado para a Vila Abobrinha, cenário rural idealizado por Maurício de Souza para representar o interior brasileiro, já se percebe algo de especial no filme. Somos apresentados antes aos animais que habitam ali, com a conexão das pessoas com a natureza estando em primeiríssimo plano. Então, somos apresentados ao Chico Bento em uma rotina de cuidados matinais divertida e que abraça a estereotipação do personagem levando a um ponto de homenagem. E então, podemos respirar felizes por adentrarmos o Maurício de Souzaverso derivado da relação da MSP com a Biônica Filmes.

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Já parceiros em Turma da Mônica: Laços (2019 )e Turma da Mônica: Lições (2021), os estúdios se alinham justamente para repetir o que souberam fazer de melhor nas outras ocasiões: contar boas histórias infantis com um toque de nostalgia para qualquer brasileiro que tenha lido gibis do Maurício de Souza. E dessa vez, com talvez mais liberdade do que a existente do Bairro do Limoeiro, tanto por já terem pavimentado este chão quanto porque este sempre foi um universo que permite algo mais lúdico. Compreendendo bem essa raíz e permitindo que a trama se desenvolva com técnicas audiovisuais requintadas, este é um filme para crianças que os adultos vão apreciar na mesma medida.

A narrativa principal se desenrola através de uma introdução afetiva dos personagens seguida por uma trama na qual Chico Bento (Isaac Amendoim) vê a sua maravilhosa goiabeira, quase sua irmã, ameaçada por um plano de asfaltamento que exige a sua derrubada. Então, começam os planos que opõem crianças e adultos em algo que parece uma disputa entre progresso e natureza. E, como em toda obra que depende de um elenco infantil grande, as atuações são um elemento especialmente importante na composição do filme – tanto por se trabalhar com cronogramas mais enxutos como pela questão da inexperiência, que é natural. Foi citado em coletiva de imprensa pelo diretor Fernando Fraiha que houve uma extensa agenda de ensaios antes de partir para as gravações, e isso fica impresso no filme através de atuações memoráveis e que exploram as sutilezas dos personagens criados por Maurício de Souza. Isaac Amendoim no papel principal é também um achado, pois seu sotaque natural reforça a regionalidade ao invés de forçar um sotaque em outro ator. Casting e direção conseguem caminhar juntos em prol do filme.

Existe uma sutileza necessária para o conteúdo infantil e que engrandece o filme para adultos. Momentos como a quebra de quarta parede que acontece desde o início para justificar a narração, que é adicionada como contação de causo típica brasileira e a inclusão de uma variação do poema clássico de Martin Niemöller são elementos que trazem essa profundidade. Apesar de ser voltado ao público infantil, o filme não se apega a soluções fáceis e prefere explorar, com humor, as tonalidades de cinza da vida real para gerar um resultado menos óbvio. Isso também é refletido na técnica cinematográfica utilizada, que aproveita as luzes naturais e o ambiente do sítio para explorar enquadramentos visualmente interessantes e que refletem a sua origem nos quadrinhos.

Assim, felizmente somos surpreendidos por um filme que faz jus ao legado nostálgico que a MSP tem na mente de grande parte dos brasileiros. Com este trabalho intrincado e afetuoso, ela nos mostra como boas histórias e personagens conseguem resistir à prova do tempo.

Texto por Jean Werneck

Chico Bento vai ao cinema: Novo longa adaptado dos quadrinhos de Maurício de Sousa fortalece a identidade nacional e destaca a importância de escutar o próximo

Se há alguns anos vivíamos a expansão dos quadrinhos para as telas do MCU (Marvel Cinematic Universe, ou Universo Cinematográfico da Marvel), agora o público brasileiro assiste à expansão do universo da Mauricio de Sousa Produções (MSP). A produtora, que adapta os quadrinhos da Turma da Mônica — um sucesso nacional absoluto — para filmes e séries de TV, agora aposta em Chico Bento, o dócil e querido caipira. Tal adaptação é feita em parceria com Biônica Filmes, responsável pelos anteriores Turma da Mônica: Laços e Turma da Mônica: Lições.

Em Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa, acompanhamos o causo de Chico (Isaac Amendoim) e seus amigos para salvar a goiabeira do Nhô Lau (Luís Lobianco), ameaçada de ser derrubada em nome do “progresso urbano”. A ideia ambiciosa vem do Dotô Agripino (Augusto Madeira), um investidor que pretende asfaltar as ruas da pacata Vila Abobrinha. Sob o discurso de aproximar os moradores do vilarejo, seus planos, na verdade, afastam a todos. Cabe aos pequenos resolverem a situação. Afinal, como diz o próprio Chico: “Que mundo é esse que troca goiaba por asfalto?”

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Produções brasileiras direcionadas ao público infantojuvenil buscam não apenas entreter, mas também reconectar crianças e adolescentes com a identidade nacional, oferecendo um caráter educativo frente à enxurrada de conteúdos estrangeiros. Esse movimento tem encontrado cada vez mais espaço no audiovisual brasileiro, seja nas séries (Castelo Rá-Tim-Bum, O Menino Maluquinho), novelas (Carrossel, Chiquititas), ou filmes (Turma da Mônica, Placa-Mãe e A Arca de Noé — os dois últimos, elogiados lançamentos de 2024).

Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa cumpre esse papel educativo com excelência. O filme nos conecta com aquilo que há de mais puro em nossa cultura. Além do clima nostálgico de uma infância no interior, que dialoga com as memórias afetivas de diversas gerações de brasileiros — inclusive as minhas —, o longa nos convida a valorizar o que temos de mais precioso: nossa cultura, nosso lar, nossas relações e nossas goiabeiras.

A direção de Fernando Fraiha expressa isso com naturalidade. Ele brinca com o roteiro — escrito por ele, Elena Altheman e Raul Chequer — e nos envolve por meio de uma narrativa acolhedora. É o sotaque singelo da narração de Chico que nos acalenta, os familiares ditados populares, a atmosfera de estar “em casa”. Esse cuidado é ressaltado pela direção de fotografia de Gustavo Hadba (Meu Pé de Laranja Lima, Eduardo e Mônica), que valoriza a iluminação natural e destaca as cores vibrantes do figurino e da direção de arte. Trata-se de uma obra lúdica, que esbanja autenticidade.

Contudo, apesar de colher os frutos que outras produções infantojuvenis cultivaram, o filme também apresenta algumas “ervas daninhas” em seu roteiro. A narrativa segue uma fórmula conhecida: apresenta um vilão e guia a história enquanto o grupo de personagens tenta desmascará-lo. Lembra uma espécie de Scooby-Doo — só que sem o cachorro —, algo já visto em Carrossel, Detetives do Prédio Azul e até nas próprias aventuras da Turma da Mônica. O bordão “Eu teria conseguido, se não fossem essas crianças enxeridas e esse cachorro burro!” surge quase naturalmente na mente do espectador. Ser previsível não é um grande problema, especialmente porque o live-action do Chico Bento é despretensioso. Porém, a resolução do conflito — que ocupa grande parte da trama — por vezes torna o filme um tanto desinteressante.

Apesar disso, o que fica mesmo dessa visita à Vila Abobrinha e dessa goiabeira, que parece dar a fruta mais saborosa do mundo, é a mensagem sobre a importância de escutar o próximo. A lição do filme nos lembra que a verdadeira aproximação entre as pessoas vem do diálogo e da empatia, e não de quilômetros de asfalto quente.

Além da mensagem, o longa encanta pelo carisma do elenco mirim. Isaac Amendoim é o meme “Chico Bento vai ao shopping” em sua essência e transborda naturalidade no papel. O elenco adulto também ajuda a compor o charme do filme, com participações de Luís Lobianco, Débora Falabella e Taís Araújo. Esta última, em uma ótima fase da carreira no cinema, participando, aqui, como a Mãe Natureza e potente em Auto da Compadecida 2 como Compadecida.

Chico Bento e a Goiabeira Maraviósa é um pé no pomar do que há de melhor no cinema brasileiro atual e certamente adoçará as férias de verão de muitas crianças que comerem de seus frutos nas telonas.

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