Duna: Parte Dois (Denis Villeneuve, 2024, EUA e Canadá)
Nome Original: Dune: Part Two
Roteiro: Denis Villeneuve, Eric Roth e Jon Spaihts, baseado nos livros de Frank Herbert
Elenco principal: Timothée Chalamet, Rebecca Ferguson, Josh Brolin, Stellan Skarsgard, Dave Bautista, Zendaya, Javier Bardem, Florence Pugh e Austin Butler
Distribuição brasileira: Warner Bros.
Duração: 166 minutos
Texto por Carol Ballan
Quando Denis Villeneuve anunciou que faria uma nova adaptação de Duna após o fracasso de David Lynch com o projeto nos anos 1980, muito se especulou sobre a possibilidade do novo projeto funcionar. Afinal, a tecnologia avançou muito desde a época, e algumas franquias como Harry Potter e os filmes de super-heróis da Marvel tiveram muito sucesso comercial e deixaram os estúdios confiantes em adaptações que se estendem por mais de um filme. Então, com o projeto dando certo e a primeira parte conquistando público e crítica, as expectativas são aumentadas para a continuação.

Felizmente, o diretor consegue novamente mostrar respeito pela obra original misturada com uma capacidade audiovisual gigantesca, trazendo o melhor dos dois mundos para mais algumas horas de deleite para os fãs da ficção científica. Na medida em que a construção da narrativa política se aprofunda, Villeneuve acrescenta camadas de construções visuais que não permitem que a obra se torne cansativa para os espectadores.
Um dos maiores problemas com a adaptação de uma obra clássica é considerar o efeito que ela tem em tudo o que é criado após ela. Sem Duna, não haveria Star Wars, Warhammer, Blade Runner e uma infinidade de obras amadas na atualidade. O aspecto visual se torna uma maneira de trazer frescor ao texto original que segue fazendo sentido quase 60 anos após a sua publicação. Afinal, guerra, honra, recursos finitos e amor são temáticas amplas o suficiente para nunca saírem de moda.
O casting do primeiro filme demonstrou ser uma escolha afiada da direção. Tanto com a carreira meteórica de Chalamet e Zendaya que apenas trazem mais destaque ao filme, quanto com escolhas mais clássicas como Bardem e Ferguson que seguem brilhando em papéis principais, criou-se um nível bastante elevado de expectativas. Mas o novo elenco de personagens que surgem neste ato funciona perfeitamente em conjunto com o anterior, e ao escolher continuar trabalhando com estereótipos, Villeneuve consegue sustentar uma quantidade enorme de personagens sem a necessidade de repetir explicações.
Para os fãs da obra original, há detalhes da adaptação que tornam o filme ainda mais interessante. Um deles é a introdução da Princesa Irulan (Florence Pugh), essencial para todos os livros mas que ainda não havia sido mostrada em tela. Outro é o uso das visões de maneira que se mantém fiel ao retratado no livro, mas que deixa o espectador na mesma expectativa que o leitor. É claro, há muitas cenas com detalhes incríveis que precisam ficar de fora mesmo no filme de quase três horas – mas nada que tire o nexo da obra.
Junto com todo o universo visual, surge também um universo sonoro que estava colocado no primeiro filme e que apenas se aprofunda, gerando uma trilha muito característica e que é usada até em excesso durante as cenas. Ainda assim, a filmagem completa em tecnologia Imax e com uma edição de som inventiva ao criar sons para objetos que não existem na realidade ajudam a sempre trazer os espectadores de volta para a narrativa.
Ainda que existam alguns momentos em que o diretor parece almejar algo ainda maior do que o projeto que tem, como as cenas em preto e branco simulando uma olimpíada antiga, ou o uso desnecessário de cenas em velocidade reduzida, o resultado é exatamente o filme que fãs ansiavam e que levanta os questionamentos certos sobre religião, fanatismo e a busca eterna dos humanos por respostas. Tudo o que nos resta é, novamente, ansiar pela parte três que fechará a saga.
Texto por Jean WernecknNa continuação da saga distópica, Denis Villeneuve adentra a grandiosidade do gênero épico em uma tempestade de areia política.
Após a tragédia orquestrada por seus inimigos para destruir a linhagem de sua família, Paul Atreides (Timothée Chalamet) e sua mãe (Rebecca Ferguson) se escondem nas dunas de Arrakis ao lado do povo Fremen para planejar seu contra-ataque. Lá, ele enfrenta os fiéis e os incrédulos que discutem a profecia da vinda do messias que os salvará, enquanto lida com seu sentimento por Chani (Zendaya). Apesar de dividir opiniões, tanto para os críticos quanto para os fãs, a franquia Duna teve um bom pontapé em 2021, quando a adaptação de parte do primeiro livro ganhou uma nova versão com um dos grandes cineastas do momento, Denis Villeneuve. Encerrando esse primeiro ciclo, o cineasta mantém a qualidade e mostra que sabe onde e como quer chegar com a história da família Atreides nos cinemas.

Villeneuve retorna ao universo de Duna ainda mais convicto de como rege as subtramas de uma complexa narrativa e impulsiona o roteiro com uma técnica colossal. Não basta um material original rico para criar algo épico nas telonas, é necessário mais que isso. Esse compromisso já ficou evidente no primeiro longa com o excelente trabalho do compositor Hans Zimmer e do diretor de fotografia Greig Fraser, contudo o retorno dos dois na produção só reforça o acerto dessa escolha. A trilha sonora tem camadas texturizadas, do grave ao agudo, as composições acompanham a intensidade das cenas. A fotografia corrobora com essa experiência sensorial, por valorizar de planos-detalhes – como o de um rato intergaláctico se esgueirando na areia – até grandes planos gerais – que contemplam as monumentais dunas. A experiência visual seria vazia por si só, mas é servida por montagens que guiam o espectador pelos diversos personagens e núcleos narrativos que ocorrem simultaneamente. Mesmo diante de um elenco numeroso, todo personagem possui seu momento de destaque – desde os protagonistas Zendaya e Chalamet, até a dupla de coadjuvantes de Florence Pugh e Austin Butler. Há um usufruto minucioso do que cada elemento tem a oferecer para contar a fantástica jornada.
Para além de uma construção cinematográfica de visual e casting desenvolvidas, Duna: Parte 2 também envolve o espectador com a experiência antropológica de conhecer um povo, suas práticas, habilidades e crenças. Essas particularidades são apresentadas sem pressa e, ao mesmo tempo que soam exóticas, se assemelham com comportamentos de nossa realidade, o que nos conecta com a distopia. O início de uma guerra política baseada em poder, exploração e ambição faz dos dramas morais e proféticos do longa uma temática atemporal e frontal para o público. Os diálogos fugazes e as coreografadas cenas de combate expressam a cirúrgica direção de Villeneuve em que tudo está no lugar, mesmo que para os personagens esteja fora de controle. Algo que pode incomodar alguns, mas que também transmite um refinamento e identidade do diretor em outros de seus sisudos trabalhos como Blade Runner 2049 (2017) ou A Chegada (2016). A humanidade contraposta com a ótica disruptiva de Duna a torna promissora em um mercado batido. Não reinventa a roda dos arcos narrativos do herói, mas dá nuances interessantes a ele pela equipe fenomenal que está por trás, mesmo se tratando de quase sessenta anos após o lançamento da obra original.
Desse modo, assistir Duna: Parte 2 nos cinemas é aproveitar desde os sons de como a especiaria é produzida até os urros estrondosos dos vermes da areia. Aproveitar os detalhes e destaques de cada cena. São com os secos e finos grãos de areia que se formam tempestivas dunas.