Críticas a Dois: Sing Sing

Sing Sing (EUA, 2023)

Título Original: Sing Sing

Direção: Greg Kwedar

Roteiro: Clint Bentley e Greg Kwedar baseados em The Sing Sing Follies de John H. Richardson e Breaking The Mummy’s Code de Brent Buell

Elenco principal: Colman Domingo, Clarence Maclin, Sean San José, Paul Raci, David Giraudy, Patrick Griffin, Mosi Eagle e James Williams

Duração: 107 minutos

Distribuição brasileira: Diamond Films

Texto por Carol Ballan

Não existe nenhuma dúvida da importância da arte e da sua capacidade de fazer com que pessoas lidem com traumas e perdas. Ainda assim, é emocionante ver este impacto, e Sing Sing aproveita um projeto real muito impactante para contar uma história que mescla realidade e ficção com o intuito de emocionar os espectadores.

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No longa-metragem Divine G (Colman Domingo) é um homem encarcerado que, desde a primeira cena recitando Shakespeare em um palco, não é um novato no mundo das artes. Entre a escrita de peças teatrais e tentativas de revisão de sua pena, ele é o condutor da trama quando, em um novo momento de iniciar ensaios, acaba chamando Divine Eye (Clarence Maclin) para se juntar à nova temporada. Então, na dinâmica entre o equilibrado guia e o novato que tem consciência de sua fama como gângster, surge uma parceria necessária para a sobrevivência dentro do sistema prisional estadunidense.

Talvez os fatos mais interessantes sobre a obra estejam em seus bastidores. Um primeiro fato relevante é que parte dos atores coadjuvantes, incluindo Clarence Maclin, vem deste projeto social e está atuando como uma ficcionalização de sua própria personalidade. E, seguindo o pensamento sobre o impacto que a arte tem na vida dessas pessoas, o filme também foi realizado em um esquema no qual todos os que participaram dele têm direitos sobre seus lucros – ou seja, reafirma a questão da utilização das habilidades artísticas também como uma fonte de renda para seus participantes.

Para além disso, fica claro desde os primeiros minutos do filme que ele seguirá uma fórmula já muito conhecida de roteiro, sem grandes surpresas ou outras questões artísticas muito latentes. Alguns de seus primeiros planos são do contraste do mar ao fundo com a prisão em primeiro plano e de um passarinho cantando em meio ao arame farpado utilizado na defesa da construção. Ou seja, apesar de haver uma clara preocupação em parecer sensível e artístico, isto nunca é levado a um ponto mais avançado em questão estética, havendo apenas essas pequenas rimas poéticas mais superficiais. Utiliza-se muito a estrutura da prisão para criar ângulos de câmera que até são agradáveis aos olhos, mas que muitas vezes parecem ser escolhidos aleatoriamente apenas para causar um prazer visual.

Isso também se reflete com a trilha sonora, que parece presente em todas as cenas da obra, mesmo quando o silêncio poderia ser uma opção mais adequada. Tem-se a impressão de que a melodia está sendo utilizada como forma de manipulação emocional dos espectadores, quando o filme não precisava deste recurso por já ter um roteiro inspirador por si só.

O roteiro acaba sendo a grande estrela da obra, porque apesar de ser formulaico, ele utiliza a fórmula ao seu favor para contar uma história incomum de maneira simples e eficaz. Há, para além do seu tema central, algumas sutilezas sobre a forma que a masculinidade é cobrada de homens negros, o que cria mais camadas nos conflitos internos e externos dos personagens. Assim, por mais que haja momentos um tanto óbvios, ainda existe material suficiente para continuar pensando sobre a obra mesmo quando ela acaba, para além da simples relação de cura que a arte pode ter.

Entre erros e acertos, o filme consegue trazer questões sociais e raciais de forma honesta e simples, e talvez seja inclusive este parte do motivo de ele conseguir se colocar bem dentro da temporada de premiações. Longe do excepcional, ele ao menos consegue elevar algumas discussões de maneira respeitosa, não fazendo um desserviço à sua comunidade, mas sim um serviço.

Texto por Jean Werneck

Baseado em um programa de reabilitação real, Sing Sing abre as prisões mentais dos detentos com a chave da arte.

Em 2016, durante uma visita à prisão de segurança máxima de Sing Sing para ajudar um amigo que produzia um curta documental, o diretor, roteirista e produtor Greg Kwedar conheceu o programa Rehabilitation Through the Arts (RTA), traduzido livremente como Reabilitação por Meio das Artes. Essa iniciativa busca reintegrar detentos à sociedade por meio do desenvolvimento humano e do fomento ao teatro dentro da penitenciária. Após sete anos em produção, chega aos cinemas Sing Sing, drama baseado nesse programa, que chamou a atenção desde o Festival Internacional de Cinema de Toronto (TIFF) de 2023, onde foi adquirido pelo estúdio cult A24 e agora concorre em três categorias no Oscar 2025.

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O filme acompanha Divine G, que, enquanto tenta conseguir a liberdade condicional após ser preso injustamente por um crime que não cometeu, participa de um grupo teatral ao lado de outros detentos, o RTA. Juntos, eles buscam encontrar um novo propósito de vida e lidar com seu cárcere físico e mental por meio de projetos artísticos.

Diferentemente de obras clássicas como Rebeldia Indomável, Um Sonho de Liberdade e À Espera de um Milagre, que retratam o sistema carcerário de forma violenta, injusta e, por vezes, cruel, Sing Sing apresenta um retrato mais otimista e esperançoso, onde “o sol não nasce quadrado todos os dias”. Os guardas não torturam os detentos, não há corredor da morte nem abuso de autoridade. Em Sing Sing, Divine G, Mike Mike, Clarence e os outros detentos têm uma segunda chance, acreditando que um dia poderão alcançar a tão sonhada liberdade. Embora existam menções a tráfico interno e ameaças, o roteiro se afasta da violência geralmente associada ao tema.

Essa abordagem pode parecer idealizada para alguns espectadores, já que não reflete a realidade da maioria dos encarcerados. No entanto, é justamente essa perspectiva que emociona. O filme é inspirado em uma história real, adaptado diretamente do artigo Sing Sing Follies (A Maximum Security Comedy), escrito pelo jornalista John H. Richardson para a revista Esquire em 2005. O longa capta a leveza e o companheirismo com que os presos se aprimoram pessoalmente, interpretando desde clássicos de Shakespeare até comédias autorais. Isso reforça que o ideal de ressocialização desses detentos não é uma utopia, mas uma possibilidade concreta para aqueles que escolhem recomeçar.

O elenco é majoritariamente formado por atores que já foram presos e reabilitados pelo programa, interpretando versões de si mesmos para contar suas trajetórias de redenção. Esse comprometimento em representar os personagens com autenticidade torna a experiência fílmica sincera e envolvente.

Nem tudo, porém, em Sing Sing se baseia estritamente na veracidade dos fatos, e Colman Domingo é prova disso. Após a finalização do roteiro por Greg Kwedar e Clint Bentley, Domingo foi a primeira escolha para interpretar o protagonista. Sua atuação é profundamente humana, permitindo ao público humanizar não só seu personagem, mas também todos aqueles a quem ele acolhe na prisão. Empático e cuidadoso, sem ser invasivo, Domingo já havia se destacado com um pequeno papel como o ex-viciado Ali em Euphoria, e brilha novamente aqui como Divine G. Sua indicação ao Oscar de Melhor Ator não surpreende, assim como a indicação do roteiro de Kwedar e Bentley para Melhor Roteiro Adaptado. Juntos, eles são a força dramática do filme.

Por outro lado, a direção de Kwedar não impressiona tanto. Este é apenas seu segundo longa-metragem, e em alguns momentos a narrativa cai em um sentimentalismo típico de produções “Oscar bait”. Isso é perceptível nas cenas finais da peça, encenadas exatamente como foram apresentadas na penitenciária na época dos eventos reais — um recurso que a Academia costuma valorizar. Ainda assim, há momentos impactantes, como a conversa entre Divine G e Mike Mike em um quarto iluminado por tons avermelhados, onde expõem suas vulnerabilidades. Logo em seguida, a cena corta para as portas das celas, relembrando que eles ainda estão presos, ainda aprisionados.

O maior legado de Sing Sing é a visibilidade que traz para programas bem-sucedidos como o RTA, que mudam o destino fatalista de muitos detentos e desafiam a visão determinista de que não há possibilidade de reabilitação. O filme reforça que, em maior ou menor escala, todos nós temos a chance de recomeçar diariamente.

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