Crítica | Eros

Eros (Brasil, 2024)
Título Original: Eros
Direção: Rachel Daisy Ellis
Roteiro: Rachel Daisy Ellis
Duração: 100 minutos
Distribuição brasileira: Fistaile

Desde o seu lançamento no Festival de Tiradentes de 2024, Eros tem chamado atenção tanto por sua temática quanto por sua forma. Na temática, ele aborda uma instituição bastante brasileira que são os motéis, enquanto a sua forma é ousada por propor um ato quase exibicionista dos casais que se expõem, nos convidando a conhecer a sua privacidade duplicando o ato voyeurístico da ida ao cinema.

Como é explicado em cena, o filme é pensado a partir de uma experiência da diretora escutando os sons de um motel enquanto esperava um encontro que não aconteceu, e com equipamento de gravação para o que seria um exercício de intimidade desse casal. Refletindo sobre todos os sons e possibilidades encontrados naquele espaço, a produtora experiente começa um processo de conversa com diversas pessoas ao redor do Brasil para encontrar um casting para um documentário que abordasse um pouco da multiplicidade do local. E então, ao entregar o dispositivo de gravação aos escolhidos para que eles possam escolher exatamente como se representar na obra, cria-se uma possibilidade pouco explorada quando pensamos na intimidade sendo colocada em tela.

A entrega da captação para os casais permite uma multiplicidade de registros, com a escolha pessoal do que exibir. Há pessoas que escolhem pela exposição de genitais, enquanto outras preferem utilizar o seu tempo para uma conversa profunda sobre o que significa, por exemplo, a dignidade de um casal homossexual que pode fazer sexo deitado. Não existe o senso conservador de que algo que está sendo mostrado ali pode ser chocante, porque está muito claro que estamos apenas observando como outras pessoas vivem as suas vidas. Mas, exatamente pela escolha acertadíssima dos casais, existe uma representatividade raramente colocada: corpos trans, pessoas mais velhas, jovens acostumados à pornografia, possibilidades queer, pessoas negras e brancas, o swing, o BDSM, a solidão. Considerando que muitas dessas sexualidades são tratadas como marginais, a falta de um olhar julgador é reconfortante e ajuda a criar uma empatia.

Um filme como esse esbarra em diversos dilemas morais, dada a possibilidade de uma exploração da imagem alheia ou até mesmo a limitação a partir do viés de representatividade. E, como mostrado anteriormente, isso é bastante contornado através da entrega do dispositivo para as próprias pessoas. Há uma transparência clara nesse processo, e que tem muita relação com uma positividade sexual que está se tornando cada vez mais necessária em tempos de vício em pornografia e uso de inteligências artificiais capazes de realizar cada desejo imagético da cabeça de quem as programa. Além disso, a montagem do longa ajuda a deixar claro que ele não irá se restringir à possibilidade normativa e heterossexual, começando com a própria diretora, seguida por um casal mais velho que aborda o desejo na maturidade, e logo indo para um casal homossexual masculino.

Mais do que falar sobre esse espaço pensado para maximizar a experiência do sexo e do gozo, o filme também retoma uma questão importante sobre a intimidade. No momento de vulnerabilidade, surgem conversas importantes e que ajudam a repensar nos preconceitos sobre sexualidade. Se há uma diversidade de espaços e corpos, o filme nos reafirma que, ainda assim, existe algo de identificação e de afeto que a maioria das pessoas busca, naqueles espaços ou em qualquer outro. Assim, ao terminar a obra com um homem sozinho repensando poeticamente em sua própria sexualidade, há um tom um tanto melancólico que nos explicita as motivações do filme.

Se vamos aos cinemas para observar silenciosamente às histórias reais ou fictícias, com uma diversidade de pessoas, em uma sala escura, acabamos nos questionando sobre a expressão de nossos próprios desejos. E, encontrando ecos nas situações anteriormente apresentadas, podemos nos despir um pouco de nossas ideias e nos conhecer um pouco melhor.

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