Crítica | 14º Olhar de Cinema | Torniquete

Torniquete (Brasil, 2025)

Título Original: Torniquete
Direção: Ana Catarina Lugarini
Roteiro: Alice Name-Bomtempo e Ana Catarina Lugarini
Elenco principal: Marieta Severo, Sali Cimi e Renata Grazzini
Duração: 75 minutos

Quando Torniquete começa, em meio a um assalto com três gerações de mulheres presas em um quarto enquanto os assaltantes roubam o resto da casa, a primeira relação que se faz é que o torniquete será literal, utilizado para estancar o sangramento de algum machucado entre elas. No entanto, ao compreendermos que foi um machucado no rosto, essa possibilidade se inviabiliza, e começamos a compreender que esse sangramento na verdade acontece entre essas mulheres, incapazes de se comunicar para lidar com seus próprios traumas.

Passado esse primeiro momento de tensão, o filme se torna bastante observacional. Observamos principalmente a relação entre a avó Lucinda, interpretada por Marieta Severo e sua neta Amanda, interpretada por Sali Cimi, e compreendemos que esta não é uma casa habituada aos diálogos. E então passamos todo o filme tentando entender a raíz desse problema, que seria capaz de ajudar a curar essas cicatrizes tanto reais quanto metafísicas, mas esse momento nunca é entregue aos espectadores, que permanecem sem compreender o mistério que as cerca. Temos um estudo dessas personagens Sônia, a mãe (Renata Grazzini), filha e avó, mas conhecemos tão pouco delas que a conexão com o público demora para ser criada – e quando isso finalmente acontece, o filme acaba.

Percebemos que o filme tem uma grande preocupação em lidar com os traumas femininos de maneira a explicar sua continuidade ao longo de gerações, mas as informações que nos são passadas são tão sucintas que é difícil captar corretamente o que ocorre com as personagens. Ainda que se possa compreender que há um estudo dessas três personagens que estão em momentos diversos da vida, o recorte que enxergamos não é capaz de nos externalizar a profundidade das cicatrizes que precisam se expor. Ainda que as personagens apresentem uma química em cena que torna a obra bastante atrativa enquanto assistimos, a sensação de dúvida ao seu término segue amplificada.

Quando o filme opta por seguir uma lógica mais realista, desde o seu início com o assalto até todas as suas sequências fortemente fincadas em uma realidade material, acaba sobrando pouco espaço para o poético que é essencial para um filme tão pautado em silêncios. Acabamos precisando nos pautas em detalhes, como o uso da cor vermelha nos cenários e figurinos das personagens, para compreender melhor a narrativa. Temos Amanda sempre com peças vermelhas em tons fortes, e com um quarto tão forrado pela cor que seria difícil não perceber, enquanto sua mãe apresenta pequenos detalhes vermelhos nas roupas, e Lucinda segue com os tons terrosos. Compreendemos que existe essa relação entre a paixão e a juventude e uma maturidade adquirida, mas é difícil avançar na interpretação dessas dores quando tão pouco sabemos sobre elas.

Existem também momentos em que a narrativa se aproxima do drama sobre maturidade, com momentos como a avó ensinando a menina a fumar e andar de moto, e ela em troca ensinando a avó a andar de bicicleta. Esse pequeno recorte de suas vidas é bastante significativo e consegue ajudar a criar a conexão através da ligação que elas vão criando, mas parece existir um subtexto incompreensível anterior cujos símbolos podem ser, como aconteceu comigo, impossíveis de ler.

Assim, mesmo que ela tenha um começo (e diga-se de passagem, também um final) bastante impactante, falta um pouco de substância para que a obra amadureça, acompanhando o processo de suas personagens. Ainda que seja grato ver uma narrativa tão pautada em um feminino dissociado da masculinidade no cinema nacional, ainda ficamos na expectativa de seu avanço.

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