Cais (Brasil, 2025)
Título Original: Cais
Direção: Safira Moreira
Roteiro: Safira Moreira
Elenco Principal: Safira Moreira, Angélica Moreira, Inaê Moreira, Tinganá Santana e Mateus Aleluia
Duração: 69 minutos
A esta altura, já é perceptível que a curadoria do 14º Olhar de Cinema para a competitiva nacional teve um grande foco em obras que tratassem da identidade para construir a conexão entre filmes. E o que impressiona em Cais é o tom que a obra assume, fugindo de um padrão observado na maioria dos outros filmes de uma narração em off acompanhada de imagens. Aqui, possivelmente por conta da própria temática do luto da diretora, há uma grande introspecção, com imagens sendo utilizadas de forma muito mais ativa que as palavras. E essa economia compensa, com a obra tendo sido uma das mais premiadas do festival.

No longa, percebemos presente a máxima do “mostre, não conte”. Temos diversos momentos de diversos ritos diferentes que indicam esse luto extremamente presente. Em um primeiro momento, é até difícil compreender exatamente o que estamos vendo, principalmente quando lhe faltam as referências necessárias sobre alguns processos. Vemos alguns processos manuais envolvendo uma planta (que depois compreendi ser o preparo de azeite de dendê), o descascar de mandiocas, e mais algumas situações que parecem envolver a mistura entre o saber quase ancestral herdado dos povos originários brasileiros e o artesanato em sua definição de produção manual feita a partir de produtos naturais.
É apenas ao longo da obra que esse sentido do luto toma forma, principalmente nos momentos em que a diretora e protagonista, Safira Moreira, coloca as fotos de sua mãe em um rio. Para alguém que não está acostumado aos ritos de religiões afro-brasileiras, como no meu caso, não se compreende o sentido total do que está sendo apresentado, mas mesmo assim cria-se uma imagem que reflete a sensação de tristeza ligada a uma necessidade de início de novos ciclos. E, por mais que a obra não seja chegada aos didatismos muitas vezes comuns nos documentários, essas imagens criadas conseguem passar as sensações necessárias para os seus espectadores. Não que não haja um sentido em sua apresentação, mas existe uma possibilidade de compreensão também para as pessoas que não saibam ler esses signos completamente.
Assim, com esses muitos elementos mais poéticos do que narrativos, há uma escolha por adicionar um elemento de talking head explicativos sobre a passagem do tempo dentro, se não me engano, das culturas kongo. Ainda que se compreenda que essa fala tenha muito sentido dentro da obra, é um tanto anticlimático que um filme tão baseado em elementos mais efêmeros utilize essa âncora na realidade, sendo que diversos outros elementos audiovisuais podem ser utilizados.
Ainda assim, a obra se destaca por escolher um caminho menos percorrido para contar sua história de maneira sensível e, ainda que muito específica, também universal em sua temática. É bastante feliz que enquanto algumas obras discutem o futuro do país a partir dos nossos últimos anos caóticos, essa escolhe fazer um caminho muito mais observacional e até suspenso no tempo.