Crítica | Cazuza: Boas Novas

Cazuza: Boas Novas (Brasil, 2025)

Título Original: Cazuza: Boas Novas
Direção: Nilo Romero
Roteiro: Nilo Romero
Elenco principal: Agenor de Miranda Araújo Neto (Cazuza) — imagens de arquivo, Ney Matogrosso, Gilberto Gil, Frejat, Lucinha Araújo, Nilo Romero e Léo Jaime
Duração: 91 minutos

Há um paradoxo inevitável em Cazuza: Boas Novas: o desejo de homenagear um dos maiores ícones do rock nacional colide com a limitação de um recorte que estreita, em vez de expandir, a potência de seu retratado. Ao mirar quase exclusivamente nos últimos anos de vida do cantor, com ênfase na luta contra a AIDS, o filme acaba sufocando aquilo que tornava Cazuza irrecusavelmente vivo: sua inquietude, sua verve poética, sua provocação constante ao status quo. A energia caótica, vital e criativa que o consagrou como figura única da música brasileira é tratada como nota de rodapé.

Talvez não falte sensibilidade ao longa. Ela está ali, presente em cenas que registram a fragilidade física do artista com honestidade e dignidade, e em uma performance central que abraça o desconforto sem apelar ao melodrama. Mas o que se percebe, na soma de suas partes, é uma narrativa que opta pela despedida prolongada em vez de um retrato pleno. O filme se ancora no drama da doença como se esse fosse o único eixo possível de sustentação dramática. E isso, paradoxalmente, o esvazia.

Há um olhar clínico, quase obcecado, sobre a decadência física. O emagrecimento, a debilidade, os hospitais. Um corpo em colapso substitui a mente em ebulição. O gesto político e lírico de Cazuza é apagado em favor de uma linearidade que dramatiza a morte sem jamais entender, de fato, a vida que a precedeu. O filme parece se esquecer que antes da tragédia havia festa, antes do colapso havia fúria criativa.

O que falta é música, e não apenas no sentido literal. Falta o ritmo errático de uma juventude rebelde, os embates com a indústria, a colisão entre arte e mercado. Falta a pulsação de um artista que, mesmo confrontando a morte, insistia em afirmar a vida em cada verso. O filme escolhe o silêncio da despedida ao invés do grito que sempre caracterizou Cazuza. Escolha legítima, talvez. Mas que resulta em um retrato que, ao tentar ser definitivo, revela-se incompleto.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Rolar para cima