Crítica | Suçuarana

Suçuarana (Brasil, 2024)

Título Original: Suçuarana
Direção: Clarissa Campolina e Sérgio Borges
Roteiro: Clarissa Campolina e Rodrigo Oliveira
Elenco principal: Sinara Teles, Carlos Francisco, Tony Stark, Hélio Ricardo, Andréia Quaresma e Elba Rocha
Duração: 85 minutos (1h25min)
Distribuição: Embaúba Filmes

Road movie nacional encara solidão e pertencimento na estrada da vida com estilo naturalista 

Se você perguntar por Dora (Sinara Teles) em bares de esquina ou postos de gasolina de beira de estrada, ninguém saberá dizer quem ela é.

A protagonista de olhos fundos e olheiras proeminentes vive de carona em carona, levando consigo uma sacola com alguns poucos pertences, as roupas puídas que veste e uma fotografia antiga. No registro, está sua mãe em um campo verde e idílico, o “Vale de Suçuarana”. É o desejo de chegar a essa paisagem quase mitológica e sem endereço que a mantém na estrada. Certa de seu destino, mas perdida pelo caminho, ela cruza com um cachorro fiel e protetor (Tony Stark), com quem passa a dividir a jornada.

Apesar de ser uma estranha para a maioria daqueles que já cruzaram com ela, Suçuarana nos aproxima de Dora já nos primeiros minutos. Durante os créditos iniciais, a câmera observa a protagonista caminhando pelo acostamento da rodovia, quase como uma miragem. Seu semblante ganha detalhes até que o plano seja inteiramente ocupado por seu rosto.

A direção de Clarissa Campolina e Sérgio Borges — ambos com passagens por festivais nacionais e internacionais, aqui em sua primeira parceria — constrói um tom contemplativo tanto sonora quanto imageticamente. Os planos abertos enquadram diferentes texturas de um território marcado pela erosão da mineração, enquanto a edição de som traduz esse espaço pelos ruídos da chuva, do atrito dos pneus no asfalto e dos passos firmes sobre a terra.

Esses detalhes técnicos fazem de Suçuarana um exemplar do cinema naturalista. O estilo busca um retrato o mais próximo possível da realidade, privilegiando a iluminação natural da fotografia de Ivo Lopes de Araújo (O Riso e a Faca) e a ausência de trilha sonora, o que potencializa a imersão crua no percurso do road movie.

O roteiro, por sua vez, mescla o realismo social do naturalismo com o realismo fantástico ao introduzir o misterioso cão Encrenca. Escrito por Campolina em colaboração com Rodrigo Oliveira, o texto parte da relação entre Dora e o animal para refletir sobre pertencimento e coletividade, sobretudo quando a andarilha se integra a um grupo de trabalhadores em uma fábrica abandonada.

Apesar de inspirado livremente na novela A Fera na Selva, de Henry James, Suçuarana evoca outra obra naturalista intimista: Wendy e Lucy (2008). O longa de Kelly Reichardt também acompanha uma mulher em vulnerabilidade social, vivendo no limite da sobrevivência com seu cachorro. Se o filme estadunidense areja o cinema independente americano fora do sistema hollywoodiano, o brasileiro reafirma a autoralidade do cinema regional mineiro.

Não à toa, o filme conquistou cinco candangos no Festival de Brasília 2024 — que, por coincidência, estreia nos cinemas enquanto a edição deste ano acontece. Entre eles, Melhor Atriz para Sinara Teles, Melhor Ator Coadjuvante para Carlos Francisco e prêmios técnicos de Fotografia, Edição de Som e Montagem. 

Assim como Dora segue caminhando em busca de um lugar que talvez exista apenas em lembranças, o filme nos deixa com a sensação de que a viagem é maior do que a chegada. O vale pode ser inalcançável, mas o percurso já o torna real.

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