Virtuosas (Brasil, 2025)
Título Original: Virtuosas
Direção: Cíntia Domit Bittar
Roteiro: Cíntia Domit Bittar e Fernanda de Capua
Elenco principal: Bruna Linzmeyer, Maria Galant, Juliana Lourenção, Sarah Motta, Brisa Marques, Gabriel Godoy, Nenê Borges, Fernando Bispo
Duração: 88 minutos (1h 28min)
Fazendo uma breve pesquisa após assistir ao filme Virtuosas, percebo que o conceito apresentado no longa-metragem não foi inventado para a ficção, mas sim retirado de religiões reais e que utilizam parte da Bíblia para definir como é o ideal do comportamento feminino. Entre temer a Deus, ser trabalhadora e cuidar da família com excelência, apenas imaginar a existência pautada nessa ideologia é cansativo.

Não à toa, quando a obra se inicia temos um vislumbre do universo que o filme tratará e percebemos que o título foi realmente bem pensado. Somos logo introduzidos à Virgínia (Bruna Linzmeyer), líder do grupo de mulheres que acredita que este é o caminho para a própria salvação. Lembrando o universo de coaches já muito conhecido por qualquer pessoa que navega na internet, temos um discurso genérico misturado ao religioso e a promessa de que a vida de três mulheres vai mudar a partir de uma experiência exclusiva com a Virgínia. Com elementos de palco que lembram momentos importantes da cultura contemporânea como a música de fundo que remete ao vídeo viralizado dos Legendários e a saudação nazista de Elon Musk.
Conhecemos as três mulheres que estarão nesse retiro: a primeira, Lorena, é esposa de um candidato político e escolhida a dedo por Virgínia (interpretada por Juliana Lourenção); a segunda, Bárbara Rossi (Sarah Motta), tem o sobrenome sempre falado com sotaque italiano e é discípula fiel da influenciadora; e Germina (Maria Galant), mulher que vemos comprando o sorteio de uma colega, e que logo entendemos que fará a contraparte de quem não acredita nos princípios da virtuosidade como eles são apresentados.
Um primeiro elemento que precisa ser notado no longa é como o casting é essencial para o funcionamento da trama. Em primeiro plano, Bruna Linzmeyer como essa influenciadora cristã é um elemento que por si só traz uma diversão à trama, justamente por sabermos a sua importância no movimento LGBTQIAPN+ fora das telas e o contraste com seu encaixe visual perfeito como essa mulher branca, magra e de olhos claros. Todas as outras personagens trazem uma leve inadequação a esse estereótipo, seja através da atuação, como no caso de Lorena, que tem um filho pequeno e está sempre cansada, ou pela caracterização, como Germina e seus figurinos que parecem sempre um pouco fora de sintonia com os acontecimentos. Isso por si só já seria divertido de ver em tela, mas a trama se torna ainda mais interessante quando o roteiro ousa ir um passo além e trazer os elementos do filme de gênero para a obra. Uma bruxa que parece rondar a trama, pequenos sustos bem encaixados na montagem – os elementos vão se somando para trazer um ápice inesperado.
A obra também utiliza algumas licenças narrativas que são facilmente perceptíveis pelo público, mas consegue fazer com que nos esqueçamos delas por já estarmos envolvidas com a narrativa. A ausência de câmeras de segurança, por exemplo, é um elemento que qualquer pessoa que já morou em uma casa facilmente achará estranha.
O mais inteligente é que a diretora escolhe o caminho menos óbvio para nos trazer a sua grande crítica social à esse tipo de conteúdo e a sua propagação pela internet. Esse perfil de mulher poderia ser criticado de maneira mais óbvia por qualquer pessoa com posicionamento mais moderado, mas a trama ousa ao mostrar quais são os mecanismos utilizados para fazer com que as pessoas caiam na sua retórica. Seja ao cooptar pessoas importantes para fazer parte do movimento ou até chegando a comportamentos de humilhação dignos de culto, torna-se mais fácil compreender como essas mulheres ganham tanto poder. E, então, ao expor os segredos de Virgínia, percebemos ainda mais a crueldade dos dois pesos e duas medidas que ela impõe entre a sua vida real e a sua vida mostrada online.
Justamente por ter um tema importante e por utilizar caminhos audaciosos para isso, a obra se destaca e se torna muito relevante ao contexto global atual. Assim, quando anunciado que ela foi escolhida pelo prêmio Netflix para distribuição no streaming, meu pensamento foi que essa não poderia ser uma escolha mais acertada.



