A Natureza das Coisas Invisíveis (Brasil, Chile, 2025)
Título Original: A Natureza das Coisas Invisíveis
Direção: Rafaela Camelo
Roteiro: Rafaela Camelo
Elenco principal: Laura Brandão, Serena, Camila Márdila e Aline Marta Maia
Duração: 90 minutos
Nós, pessoas adultas, sabemos lidar tão bem assim com a finitude da vida? O que, em tantos anos de humanidade e adaptação, nós realmente aprendemos sobre a morte, a despedida, a partida? O que é realmente o processo do luto e até onde ele nos leva? Claro, encarar o fato de que nunca mais teremos a chance de ver fisicamente uma pessoa que tanto amávamos é um lidar estritamente pessoal e particular, mas que respinga nas próprias noções de luto como significado de dor e vazio que a construção social nos impõe.

Ao menos para nós, adultos. O que é a finitude da vida para as crianças? Através deste dois pólos que existe A Natureza das Coisas Invisíveis, primeiro longa-metragem de Rafaela Camelo. O que começa como um retrato de uma mãe solo (Larissa Mauro) que trabalha num hospital e precisa levar sua filha (Laura Brandão) para dentro dessa rotina por não ter com quem deixá-la, logo se torna um coming-of-age fabular quando outra mãe solo (Camila Márdila, a Jéssica de Que Horas Ela Volta?) vê sua bisavó doente no mesmo hospital, o que faz com que sua filha Sofia (a pequena Serena) colida seu mundo com o da outra criança.
Tido como um dos pontos mais altos por vários críticos e jornalistas na competição do Festival de Gramado deste ano, A Natureza das Coisas Invisíveis é um filme cujo temas chegam de mansinho e vão se entrelaçando: maternidade, amadurecimento precoce, luto, herança, ancestralidade e, por fim, transexualidade. Para o roteiro de Rafaela, todos esses temas são intrínsecos um ao outro, todos se entrelaçam, todos formam esse mosaico familiar sobre a manutenção da memória do que já se foi como forma de descobrir a si mesmo e de descobrir aos outros. Isso acontece ainda através doo olhar das duas crianças desnudando esse universo complexo que habita o mundo dos adultos e que respinga em suas infâncias já marcadas pela despedida e pelos ciclos da vida.
E curiosamente, Rafaela faz um filme muito mais luminoso do que tantas abordagens densas podem dar a atender. A Natureza das Coisas Invisíveis busca constantemente respiros, risadas, alívios, personagens se encontrando e se apoiando para que a dor se torne mais leve, menos impiedosa, e para que fardos se tornem menos pesados. É um filme de visões bastante otimistas sobre o seguir em frente enquanto tenta-se entender como sobreviver a ausência do outro. Não há tabu sobre a morte e nem espetacularização sobre este tema. Apenas o que ele é pelo que é, um passo natural da vida.
Igualmente natural que, para um filme que corre para o abraço para todos estes conflitos, nem todos cheguem a contento até o final. Nesse entrelaçar de mundos particulares e vivências em comum, os pouco mais de 80 minutos da projeção parecem não ser suficientes para que todo o desenvolvimento atinja seu potencial de profundidade. Não é que o olhar de Rafaela não saiba olhar para estes assuntos, muito pelo contrário. Mas para um filme que ainda fala sobre religiosidade, fé, tradição, hospitalidade… parece inevitável que algumas pedras caiam pelo caminho.
Mas A Natureza das Coisas Invisíveis é um filme que sabe evocar muito bem a veracidade das relações, e daí ajuda não somente a presença de atrizes tão competentes como Larissa Mauro e Camila Márdila no elenco, mas também a contribuição de uma veterana como Aline Marta Maia como a bisavó internada, uma figura que nos desperta mil e uma lembranças familiares sobre afeto, cuidado e conhecimento. E as duas crianças, Laura Brandão e Serena, apresentam uma maturidade impressionante na hora de desconstruir através de seus olhares ingênuos a dureza deste peso sobre o se preparar para a despedida, além da forma de entender o outro para entender a si mesmo – o tema da transexualidade envolve uma das personagens, e é responsável pelo poderosíssimo frame final deste filme, um dos mais fortes deste ano. Aliás, é quando A Natureza das Coisas Invisíveis realmente funciona melhor: na inocência que ronda a visão de mundo dessas crianças.
Contando ainda com uma fotografia muitíssimo bem alinhada com a câmera de Francisca Sáez Agurto (é fascinante a textura das luzes) e a trilha sonora muito bem aplicada de Alekos Vuskovic, A Natureza das Coisas Invisíveis é um filme surpreendentemente caloroso para tantos temas densos que o rodeiam. Um filme que, mesmo com tudo isso, encontra poesia no cotidiano e coragem na simplicidade. E que acerta em cheio quando volta seu olhar para o que há de mais forte: o olhar das crianças sobre o mundo.




