Balane 3 (Portugal e França, 2025)
Título Original: Balane 3
Direção: Ico Costa
Duração: 98 minutos
Ainda que possuam a lusofonia como ponto comum, é raro que filmes produzidos em Moçambique cheguem ao público brasileiro, sendo Balane 3 um exemplo destas obras que raramente chegarão ao mercado nacional. Mesmo assim, é impressionante a semelhança existente entre países cuja história é similar em relação à colonização portuguesa, mesmo que ela tenha ocorrido de maneiras e em épocas diferentes em cada um dos casos. É difícil não passar parte da obra refletindo sobre tais similaridades e diferenças, ainda mais ao pensar que o documentário é uma livre associação de imagens que tenta capturar a essência do que é ser um jovem moçambicano na atualidade, e alguns dramas da juventude tendem a ser semelhantes independente de onde se encontram essas pessoas.

Existem questões que aproximam muito o espectador do filme, desde uma organização da cidade que lembra a existente no Brasil até as feiras de rua, hábito também comum entre as duas nações. Mais do que isso, o diretor consegue captar muito bem a presença de um sol forte, criando um jogo entre a luz excessiva e a sombra que também reflete um pouco o estado de ebulição de seus personagens. É difícil não se divertir ao ver a família jantando e assistindo novelas brasileiras, mas o choque cultural é ainda maior quando percebemos as negociações entre famílias para lidar com um casamento entre dois jovens. E acredito que este choque seja igualmente grande para o diretor Ico Costa, que aproveita conversas e situações propostas pelos participantes do documentário para criar uma edição afrontosa, que muitas vezes aponta de maneira pouco sutil as contradições entre os representados.
Mesmo sabendo que existe uma grande colaboração entre documentarista e documentados, é difícil não enxergar a relação colonialista se repetindo em tela através desse julgamento expressado nas entrelinhas. É particularmente difícil enxergar essa relação como um país igualmente vulnerável em uma relação semelhante, e mais ainda quando pensamos que existe uma relação racial subentendida em um filme dirigido por um homem branco e que retrata, em sua maioria, pessoas negras.
Enfim, é um filme que traz questionamentos pertinentes sobre a juventude em Moçambique, mas que traz em sua feitura questões ainda mais importantes em um planeta que passou pela intensa colonização europeia e que ainda colhe os frutos dela.
Agatha’s Almanac (Canadá, 2025)
Título Original: Agatha’s Almanac
Direção: Amalie Atkins
Duração: 87 minutos
Poder capturar imagens e conversas com a documentada Agatha deve ter sido um verdadeiro prazer, e isso é passado para os espectadores através do modo gentil e agradável que sua imagem é transmitida. Pensar em uma mulher que está de certa forma parada no tempo, com uma produção auto sustentável de vegetais e que deseja manter o seu ritmo até o fim de sua vida – que infelizmente, já está mais para o final do que para o início – é pensar em uma forma de resistência a todo um sistema imposto pelo modelo capitalista de produção.

O filme tem em sua forma um reflexo da forma artesanal de Agatha de produzir: percebemos que foram realizadas diversas filmagens, cuidadosamente editadas para tentar apresentar esta mulher em sua singularidade. Abordando temas que vão desde uma infância complicada com o falecimento de diversas irmãs até a sua rotina de exercícios recomendada por uma ortopedista, nos sentimos tendo acesso a uma pessoa muito especial e cuja existência, por si só, mostra outra possibilidade de permanência no planeta de maneira muito mais interessante que o comum.
Isso tem um aspecto ainda mais especial ao perceber a pequena equipe que dá conta do poderoso filme. O cuidado com os enquadramentos e com o tratamento de cor nas imagens captadas é bastante sensível, e perceber que o longa foi produzido por uma multi artista não aparece como uma surpresa. Sua admiração por Agatha também é característica, tentando explorar a sua personalidade de forma persuasiva, mas ainda assim delicada, sem tentar adentrar espaços que a documentada não gostaria que fossem abordados. E, para nós, que fique o recado da senhora que mantém a sua plantação em um local afastado no qual mal consegue receber o atendimento emergencial quando necessário: se a pessoa quer casar com você e não quer nem te pagar um almoço, caia fora. É melhor almoçar sozinha.
Always (EUA, França e China, 2025)
Título Original: 从来
Direção: Deming Chen
Duração: 88 minutos
Always é outro filme que consegue transmitir através de sua forma parte do seu significado, mais ainda do que Agatha’s Almanac. Mais do que apenas retratar um jovem que vive no interior da China e que escreve belíssimas poesias, ele fala também sobre a própria escrita do mandarim, as transformações pelas quais o país passou e ainda sobre a transformação da fase infantil para a adulta. E isso é realizado através de um filme que parece uma poesia visual, misturando momentos de ação dos personagens e desenvolvimento de sua narrativa com os momentos de pausa para apreciação do cenário natural e das poesias criadas pelas crianças.

Essa obra demonstra um controle narrativo imenso, conseguindo criar os pontos de corte para reflexão de maneira fluida e que, apesar de se compreender que existe uma quebra no ritmo que estava sendo estabelecido pelas cenas de ação entre personagens, isso acontece mais como um respiro do que como um corte seco. Através das relações entre os personagens também conseguimos decodificar o contexto do garoto que vive uma vida bastante solitária e que encontra na poesia uma forma de alívio de uma realidade desgastante.
Ainda que cartelas finais muitas vezes sejam desnecessárias em documentários, por falar de acontecimentos após a gravação do filme que dificilmente são muito interessantes à obra, aqui eles servem mais do que para apenas satisfazer a curiosidade sobre a vida de Youbin após o filme. É proposta uma reflexão sobre aquilo que abandonamos ao fim da nossa infância e diminuição da inocência, o que é particularmente sensível para pessoas que produzem ou lidam com arte em seu dia-a-dia. Como se no último minuto do segundo tempo, o filme ganhasse ainda mais vida após filme, pois o questionamento levantado apenas reforça a importância da documentação proposta pelo diretor.
The Castle (França e Itália, 2025)
Título Original: Il castello indistruttibile
Direção: Danny Biancardi, Virginia Nardelli e Stefano La Rosa
Duração: 72 minutos
A perda da inocência e o fim da infância são uma temática que liga The Castle a Always. Se ali é apresentado o contexto específico de um garoto vivendo no interior da China, aqui é apresentada a pitoresca imagem de uma cidade costeira no Sul da Itália. Acompanhamos um grupo de amigos com idade média aproximada enquanto eles começam a ocupar um asilo abandonado que impera na paisagem da cidade e deixa todos curiosos. Se no começo eles têm uma aproximação cautelosa por conta das histórias de fantasmas e maus agouros, aos poucos eles se entretêm com a tarefa da revitalização do lugar e criam para si mesmos um mundo próprio, longe da realidade dos adultos.

Talvez a obra mais linear entre as apresentadas até o momento, o filme conta essa história com um começo, meio e fim. Ele trata com carinho as crianças retratadas, dando a todas um espaço para se expressar, mas mais do que isso, ele consegue capturar um momento especial da infância no qual ainda é possível sonhar e criar a sua própria realidade através de sonhos. E, assim como no filme anterior, quando a realidade intervém e aqui bruscamente retira essa possibilidade dos jovens, é difícil não se relacionar com a sensação de coração partido que eles apresentam.
É uma abordagem incomum para tratar de um momento universal na vida de qualquer pessoa, o que funciona muito bem em tela. Entre a fofura das crianças retratadas, conseguimos recuperar um pouco de seu modo mais leve de ver a vida, mesmo que isso torne a experiência ainda mais devastadora ao seu final. Como todo filme bem realizado, a obra apenas cresce quando pensamos nela após a exibição.