Crítica | 14º Olhar de Cinema | Paraíso

Paraíso (Brasil, 2024)

Título Original: Paraíso
Direção: Ana Rieper
Roteiro: Ana Rieper
Duração: 76 minutos

Se quando Paraíso se inicia já é muito difícil não fazer a relação com o clássico brasileiro Casa Grande e Senzala (Gilberto Freyre, 1933), essa conexão certamente será feita até o seu final. O longa-metragem brinca muito com a idealização do país, mas a contrapõe com uma realidade cruel a todo momento através da montagem. O resultado é uma obra de ritmo muito agradável, mas extremamente difícil de assistir.

Brincando com a ideia utópica do paraíso, ele já começa com a abordagem do massacre realizado com os povos originários brasileiros. A partir daí, serão tratados temas diversos que vão da escravidão até o feminicídio, dando um espaço a todas as vozes opressoras do país e tentando colocar um contraponto entre as possibilidades que aparecem ns leituras de trechos e uma realidade bruta e violenta. E, quando pensamos inclusive na quantidade de coisas que o filme quer abranger, percebe-se que um único longa-metragem está longe de ser tempo o suficiente para dar conta de tantas minorias de forma profunda. Faz-se uma escolha por abordar os assuntos de forma mais rasa para dar espaço a mais questões, o que permite que o filme tenha o seu ritmo ágil, mas não consegue tirar a impressão de que as propostas de reflexão são um pouco rápidas demais.

Só que essa opção é compreensível quando pensamos que o longa é ditado pelo seu ritmo de montagem. Com uma pesquisa gigantesca de imagens de arquivo, textos e imagens atuais, esse é realmente o destaque da obra – talvez não a mensagem em si, que é algo minimamente conhecido por pessoas que vivem no país, mas a forma. Entre ações que começam no passado e terminam no presente, dando a sensação de continuidade na forma que o país trata suas minorias, existe um momento específico da obra que precisa de destaque. Trata-se da montagem realizada através da fala de diversos políticos sobre o assunto família, que consegue formar uma fala contínua e veloz contrastada pelas imagens extremamente violentas em tela. Infelizmente, essa é uma representação tão apurada entre o contraste entre discurso e realidade de uma massa alienada brasileira que não há nem a certeza se o tom colocado é trágico ou cômico.

Existem alguns momentos no qual esse tom realmente se confunde, e isso foi perceptível na coletiva realizada no dia seguinte com imprensa e público. Uma das questões levantadas foi sobre a necessidade de imagens tão pesadas em tela, o que realmente é utilizado como recurso narrativo mas que, infelizmente, se justifica pelo simples fato de serem imagens reais, colocadas ali para relembrar a violência dessas ações. Outro ponto importante foi o uso de Racionais MC’s em uma cena que envolve povos indígenas sendo explorados nas plantações, um uso bastante peculiar para uma música muito mais associada ao movimento urbano, periférico e negro de grandes cidades. No momento, também foi esclarecido pela diretora que se optou por esse uso justamente por ser algo que os próprios trabalhadores estavam ouvindo enquanto trabalhavam.

Por mais que a obra tenha alguns deslizes em relação ao seu tom em momentos específicos, é inegável que ela traz uma abordagem super contemporânea sobre alguns problemas estruturais da sociedade. E, como ele não apresenta nenhum tipo de discussão sobre resoluções para esses problemas, os espectadores saem extremamente carregados da sala de cinema. Mas talvez seja exatamente esse o objetivo da obra, pensando em impulsionar pensamentos sobre essas desigualdades e possibilidades de resolução.

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