Silent Friend (Alemanha, França, Hungria e China, 2025)
Título Original: Stille Freundin
Direção: Ildikó Enyedi
Roteiro: Ildikó Enyedi
Elenco principal: Tony Leung Chiu-Wai, Léa Seydoux, Luna Wedler, Enzo Brumm, Sylvester Groth, Martin Wuttke
Duração: 147 minutos (2h27min)
Amor, traição, ódio, vingança, preconceitos, traição: plantas. Em uma situação completamente atípica, eu quase passei a oportunidade de assistir Silent Friend justamente por já ter assistido outro filme neste mesmo ano com uma premissa parecida, A Árvore da Autenticidade. E isso é bastante estranho, porque a proposta das duas obras é um tanto peculiar: contar uma história a partir do ponto de vista de uma árvore que resistiu ao tempo. Por uma felicidade do destino, o encaixe entre as sessões me permitiu entrar para assistir este filme, que facilmente se tornou o meu preferido do festival.

Aqui, a árvore em questão é um exemplar de Gingko Biloba localizada em meio a um jardim botânico em uma cidade medieval e universitária no interior da Alemanha. E os tempos nos quais a acompanhamos só se tornam mais claros com o avançar do filme, assim como os personagens que a cercam. A crítica, neste momento, pode parecer excessivamente vaga quanto ao enredo, mas faz parte da experiência deste filme ir compreendendo essas narrativas. Muitas vezes durante o filme iremos nos deparar com cortes abruptos que mudam de uma narrativa para outra e precisaremos pensar sobre a ligação entre os elementos, assim como teremos algumas imagens que se passam do ponto de vista da árvore, observando o mundo ao seu redor.
Entrelaçando essas três narrativas, estão duas constantes: o fascínio de um ser humano pelas plantas, e a formação de laços com outras pessoas após uma mudança que os trouxe para essa cidade. O resto todo pode variar, como a fotografia que na parte mais antiga da história se coloca em preto e branco, passando para uma bela textura e saturação diferentes na história do meio e chegando ao visual ultra realista na mais recente. Mesmo nisso, a cineasta mostra um controle e conhecimento da história do cinema, unindo as técnicas de cada época aos seus respectivos no roteiro do filme. Isso também se relaciona com as histórias contadas em cada uma das partes, a primeira com a sua paixão pela imagem capturada, a segunda com uma dilatação temporal e a terceira com a modernidade: cada paleta de cores conta uma história, que está absolutamente alinhada com o filme e suas mensagens.
Por mais que se evite dar detalhes demais sobre a trama, é necessário também falar sobre as atuações, que são o que movimenta o filme e nos permite nos conectar com os personagens. Os dois grandes destaques são Tony Leung Chiu-wai e Luna Wedler. O primeiro tem um dos papéis mais complexos e humanos que eu já vi no cinema, mas entrega uma performance tão honesta que é difícil não se apaixonar – e felizmente para nós, o público, pois essa é sua segunda atuação fora da Ásia. A segunda, atriz relativamente estreante, com papeis mais voltados à televisão, é outro deleite em assistir. Sua premiação em Veneza não aconteceu à toa. E, como fã, destaco ainda a participação breve e simpática de Léa Seydoux, que traz uma quebra bem humorada em momentos de tensão.
A experiência sensorial também é colocada em primeiro plano, mesmo que nunca se abra mão das narrativas. Entre imagens de ressonâncias eletromagnéticas, longos takes de pessoas simplesmente sentadas perto da árvore, um time-lapse particularmente bonito de uma planta crescendo e diversas imagens que parecem se conectar pouco, percebemos que o objetivo da cineasta não é simplesmente contar uma história, mas sim nos fazer sentir o mesmo que aqueles personagens sentem.
Este é o tipo de filme que pode ter dois resultados: ou o espectador compra a viagem proposta por ele e é completamente atravessado pela arte, saindo da sessão refletindo sobre a existência humana e seus objetivos; ou ele tenta buscar sentido demais entre as cenas, se aborrece e achará o filme uma chatice sem fim, afinal, são mais de duas horas de duração. Então, mais como apelo pessoal do que como crítica de cinema, eu peço que você entre na sessão de mente aberta para o que vai ver, e fique até os créditos. A página de agradecimento para todas as espécies de plantas usadas no longa é o detalhe meigo e sensível que fecha com chave de ouro essa experiência.