Crítica | 50º TIFF | Valor Sentimental

Valor Sentimental (Noruega, Reino Unido, Alemanha, França, Suécia e Dinamarca , 2025)

Título Original: Affeksjonsverdi
Direção: Joachim Trier
Roteiro: Joachim Trier e Eskil Vogt
Elenco principal: Renate Reinsve, Inga Ibsdotter Lilleaas, Stellan Skarsgård, Elle Fanning e Cory Michael Smith
Duração: 2h 02 min (122 minutos)

É um movimento absolutamente normal da humanidade que as figuras de poder aos poucos sejam substituídas por novas. Como o cinema não existe como arte de forma independente do seu público, é interessante que ele esteja em um momento de abordar a clássica figura do diretor de cinema, ainda mais considerando os movimentos sociais e econômicos dos últimos anos que tentam finalmente depor essa figura branca, mais velha, heterossexual e masculina que normalmente vem à mente.

Esse acaba sendo o pretexto para a obra vencedora do Grand Prix no Festival de Cannes de 2025. Stellan Skarsgård surge como essa figura paterna que retorna após um tempo e busca restabelecer seus laços de afeto e conexão com as suas filhas após um tempo de distanciamento. Mas coincidentemente, ele também é um diretor de cinema famoso que não realiza filmes há alguns anos. Aproveitando também o fato de uma de suas filhas ser atriz, ele passa a fazer um gentil cortejo de reinserção em todo esse ambiente do qual havia se afastado.

Após um bom sucesso internacional com A Pior Pessoa do Mundo, Joachim Trier já mostrava ao público que seu interesse não está nas soluções muito fáceis ou nas personagens pouco complexas. Mas aqui, além disso, ele demonstra um incrível equilíbrio entre uma narrativa que explora a sentimentalidade sem buscar o sentimentalismo fácil. As pessoas de sua ficção são tão completas quanto os seres humanos da realidade, tendo além de uma ampla gama de emoções, a capacidade de ter contradições em seus próprios comportamentos. Se isso parece óbvio ao ser dito, certamente não é algo fácil de ser exibido em duas horas de duração, e apenas a humanidade dos personagens já seria motivo mais do que suficiente para despertar a atenção do público em relação ao longa.

Ainda que a distante Noruega mostrada no filme gere algumas dificuldades com um público latino, no qual as relações familiares são normalmente um tanto mais próximas e acaloradas, o grande sucesso do seu enredo está na abordagem sobre o conflito intergeracional que nunca se limita a uma visão simplista. Essa abrangência da execução se repete no seu eixo técnico. A fotografia plástica se mistura com uma estética que recorre ao lirismo, sem necessariamente brincar com a quebra de realismo. Talvez o maior corte com a realidade ocorra por conta de uma edição que utiliza recorrentemente a técnica de corte para a tela preta, o que faz com que a expectativa da próxima cena se quebre e se tenha uma sensação de que o filme tem muitos finais antes de chegar de fato à sua cena derradeira. No entanto, mesmo essa quebra dialoga com a temática da incomunicabilidade tratada no roteiro, mostrando a sagacidade do diretor ao costurar o seu filme.

Claramente trabalho de uma reflexão sobre si próprio e sobre as peculiaridades da modernidade, o filme consegue criar cenas que permanecem com o espectador mesmo após ele deixar a sala de cinema. E talvez, em um tempo onde tudo se esvai tão rapidamente, esta seja a sua melhor qualidade.

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