Título Original: Hora do Recreio
Direção: Lúcia Murat
Roteiro: Lúcia Murat
Duração: 83 minutos
A maioria dos trabalhos da diretora e roteirista Lúcia Murat está normalmente associada às suas experiências com a ditadura militar brasileira, na qual foi uma guerrilheira anti-ditadura e inclusive foi presa pelo regime. No entanto, com seu novo filme, Murat volta seus olhos para a juventude atual do Rio de Janeiro, gravando conversas entre alunos de comunidades e seus professores sobre os assuntos que são importantes à eles, como drogas, racismo, gravidez na adolescência e machismo.

O que poderia ser um filme muito simples se torna mais complexo e interessante pela experiência da diretora. Já acostumada ao universo audiovisual brasileiro, ela conseguiu juntar o filme que pretendia gravar ao próprio processo de gravação desse filme, o que traz mais camadas das dificuldades enfrentadas e da importância deste longa-metragem.
Poderíamos dividir o filme em três camadas, que na verdade são alternadas de maneira bastante orgânica dentro do filme. Uma delas seria essa conversa organizada por professores e que dá liberdade para que os alunos discutam entre si sobre os tópicos abordados, sendo apenas orientados pelo adulto ali presente. O segundo elemento é a gravação de uma peça inspirada em Clara dos Anjos, de Lima Barreto, com atualização dos temas e uma discussão sobre as permanências de assuntos com mais de um século de diferença. Por fim, há uma exposição do próprio dispositivo fílmico, uma vez que se mostram as dificuldades que enfrentaram para gravar o filme, que vão desde o tipo de autorização necessário para cada tipo de escola até uma operação policial realizada nesse meio tempo, mostrando a reação da comunidade à situação. Tudo isso é editado com diversos raps e funks nacionais famosos, que falam sobre a mesma realidade e funcionam como gancho para a edição de um elemento para o outro.
Com a apresentação dessas camadas, mostra-se um Brasil muito difícil de acessar não apenas pelos estrangeiros, mas também por pessoas de outras cidades ou camadas sociais, tamanha a desigualdade no país. Ainda que se possa pensar sobre a exposição dessas histórias e desses jovens para um público, tudo é tratado de maneira clara, com todos sabendo que esses elementos serão gravados. Então, o filme serve como uma maneira de transpor a barreira existente entre público e os retratados no filme.
Ainda que todas essas boas intenções estejam bastante claras na obra, é preciso pontuar que a sua edição faz com que seu início seja muito mais impactante que o final, que se volta mais para a encenação de Clara dos Anjos. Ao abrir o filme com falas importantes e que deixam a audiência interessada, espera-se uma curva narrativa que consiga manter o interesse até o seu final. Infelizmente, não é o que acontece com o filme, que perde parte de sua força após seu segundo terço, gerando uma sensação de que ele não atinge o potencial que se imagina no seu início.
Temos então uma obra audiovisual que mistura ficção e realidade e que apresenta uma linguagem bastante moderna para falar com a juventude. No entanto, com sua repetição de assuntos, ela acaba perdendo parte de seu impacto inicial.