Crítica | 75ª Berlinale | Kontinental ’25

Kontinental ‘25 (Romênia, Suíça, Luxemburgo, Brasil e Reino Unido, 2025)

Título Original: Kontinental ‘25
Direção: Radu Jude
Roteiro: Radu Jude
Elenco principal: Eszter Tompa, Annamária Biluska, Marius Damian, Ilinca Manolache, Oana Mardare, Serban Pavlu e Gabriel Spahiu
Duração: 109 minutos

Radu Jude tem se mostrado uma aposta cada vez mais certeira quando se pensa no Festival de Berlim. Tendo ganhado o Urso de Ouro com seu Má Sorte no Sexo (ou Pornô Acidental) (2021) e agora lançando mais um filme na mostra competitiva da Berlinale, sua carreira está em um momento ótimo. Sua nova obra, assim como muitas das anteriores, utiliza um exemplo para falar sobre as muitas contradições existentes na Romênia.

Começamos a obra seguindo Ion (Gabriel Spahiu), um morador de rua que segue catando lixo por toda a cidade para levar para a reciclagem. Vemos o desprezo da cidade pela sua figura gerando uma grande desconexão com seus arredores, apesar de ele parecer ser uma das poucas pessoas realmente prestando atenção na topografia do local. De um parque de dinossauros que parece abandonado até os seus cantos mais urbanos, ele parece realmente conhecer aquele local como mais ninguém. Então, quando retorna para o lugar onde passa suas noites, se depara com a realidade de que ele está sendo removido dali, pois o lugar foi vendido e ele será demolido para a construção de um hotel de luxo. Se deparando com essa triste realidade, Ion se suicida e realmente começa a história do filme.

Acompanhamos então Orsolya (Eszter Tompa), a mulher que foi fazer a sua remoção e presencia o suicídio. Ela é tomada por uma culpa gigantesca, pensando em tudo o que poderia ter feito de diferente para evitar esse fato, assim como busca conhecer melhor a história desse homem. E assim, seguimos com ela nessa jornada cheia de humor ácido e desventuras ocasionais, sempre criticando precisamente o sistema capitalista e as suas consequências na sociedade por conta da sua invisibilização das relações humanas.

O modo que Jude filma esta obra beira um neo realismo, utilizando locações reais das ruas de Cruj, segunda maior cidade da Romênia e parte da Transilvânia, região eternizada pelo Drácula. Acompanhando sempre esses personagens em movimento, ele deixa claro que está filmando dentro dessa lógica de necessidade de produtividade, seja no trabalho, no encontro para sexo casual ou nos seus momentos de luto. O relógio nunca pára apenas para que as pessoas possam lidar com seus sentimentos.

Ao mesmo tempo, seu humor já conhecido por outras obras, segue presente. Utilizando a mesma lógica para debochar da importância que a humanidade dá a si mesma, observamos um engasgo ao falar sobre teoria zen, menções a Brecht e sexo casual em locais públicos. Tudo isso em busca de um conforto que nem o padre que aparece em cena poderia dar à personagem, porque a culpa que ela sente é sistêmica e não individual.

A estética também se comunica com esse esvaziamento do humano, com toda a obra sendo filmada com celulares, e isso tendo um preço no que aparece em tela. Estamos falando de um diretor experiente e que consequentemente sabe utilizar bem o recurso, mas é inevitável perceber as limitações de foco e movimentação que o celular causam – e isso também dialoga com a crítica feita pela obra, com arte sendo uma coisa superficial à produtividade.

Mesmo com todas essas qualidades, a falta de conexão mais direta entre os diversos assuntos tratados às vezes fazem com que o espectador se perca um pouco na forma ao invés de chegar à mensagem. Ainda assim, é uma experiência bastante satisfatória e que leva a assinatura do diretor, com sua crítica aguda e certeira aos modos da burguesia romena.

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