Crítica | A Liberdade de Fierro

A Liberdade de Fierro (México, Grécia e Canadá, 2025)

Título Original: La Libertad de Fierro
Direção: Santiago Esteinou
Duração: 96 minutos

Não é algo novo que o cinema seja usado como solo fértil para diretores realizarem obras que jogam luz em pautas sociais relevantes. Diferentes países, credos, classes sociais, se misturam em vivências únicas, que por sua vez geram olhares singulares e resultam em todo tipo de filme-denúncia voltados não apenas para o entretenimento, mas para a crítica, reflexão e provocação de certos temas. Também não é de hoje que o sistema carcerário estadunidense seja objeto de estudo dessas obras, entre longas e curtas, documentais ou dramatizados, que se propõem a olhar para as diversas injustiças cometidas e trazer à tona histórias que, não fossem por esse meio, talvez nunca chegassem ao grande público. 

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É o caso da história de César Fierro, homem condenado à pena de morte e que permaneceu 40 anos encarcerado – tudo isso por um crime que não cometeu. César encontra um espaço para compartilhar sua história através das lentes de Santiago Esteinou, que realiza em A Liberdade de Fierro (La Libertad de Fierro) um trabalho bastante sensível que se permite falar sobre a injustiça cometida – e que está longe de ser um caso isolado –, mas vai além para contemplar de forma muito mais profunda e poética sobre o homem injustiçado e que finalmente consegue se ver fora da prisão para se encontrar enclausurado em um pequeno apartamento, em um mundo sob alerta pelo perigo de uma pandemia global.

É triste, para não dizer irônico, como a liberdade de César calha de acontecer justamente quando a ameaça do Covid estava no auge. É uma situação que abre margem para um debate quase filosófico sobre estar verdadeiramente livre – e os diferentes significados da palavra – e também oferece um tom intimista, que potencializa os diálogos e as interações entre o protagonista e o diretor, cuja amizade transborda um sentimento genuíno para as telas. Não é à toa, por exemplo, como pequenos momentos como César dizendo que quer uma cerveja para assistir a um jogo – ao que o diretor diz que “é melhor não” devido ao quadro possivelmente depressivo dele – carreguem consigo tanto peso. São várias reflexões e momentos carregados que, pouco a pouco, compõem um retrato claro de um discurso que não busca, essencialmente, falar sobre o erro judicial que acabou levando o homem para a cadeia, mas sim se um dia ele irá sair dela de verdade.

Isso porque A Liberdade de Fierro consiste realmente nesse tema metafórico, essa lógica de apontar as diferentes liberdades que cada um de nós carrega conosco. César ficou na cadeia por 40 anos – metade desse tempo em uma solitária –, onde passou por torturas físicas e psicológicas e perdeu boa parte de sua vida. Na faixa dos 60, nunca teve de fato alguma perspectiva de sair dali – já que sua pena era de morte – e agora encontra-se em um mundo diferente, no qual precisa se recolocar profissionalmente, fazer amizades, ponderar sobre o próprio futuro, agora que de fato possui um. Por vezes, parece mentalmente preso a tudo que passou por se sentir intimidado pelo vasto leque de possibilidades que a vida subitamente lhe ofereceu, a ponto de lembrar de seu tempo na cadeia com um ar de nostalgia. Como se aquele mundo restrito, por mais doloroso e tortuoso que fosse, ainda soe mais confortável por simplesmente ser algo familiar a ele, diferente de sua atual situação.

Esteinou não parece interessado, entretanto, em trazer César como uma simples vítima da situação. Não leva seu documentário pelo caminho judicial – não sabemos do que ele foi acusado e quais foram os trâmites de sua sentença – e tampouco trabalha sua obra com um tom sensacionalista, armadilha comum para filmes do tipo. Opta por um olhar melancólico que funciona tanto para momentos mais contemplativos quanto felizes. Alguns pequenos eventos, como César comendo um burrito, reencontrando pessoas do passado ou buscando uma formação na área da confeitaria, se tornam passagens grandiosas. Em outros momentos, Esteinou captura nossa atenção pelas reflexões de seu protagonista, como a cena em que ele, à beira de uma fogueira, se recorda de seu irmão. Sequências valorizadas pelos belos cenários, como campos e montanhas ao pôr-do-sol, que o diretor captura de maneira a complementar a melancolia que paira sobre o protagonista.A simplicidade de A Liberdade de Fierro é completamente oposta ao peso da história contada. Na verdade, a montagem pouco elaborada escolhida pelo diretor parece valorizar a força da narrativa, encontrando muita emoção justamente nos pequenos momentos, o que concede ao documentário uma beleza ímpar e quase poética, apesar do inegável drama contido na jornada de César. Ao fim, talvez não tenhamos o desfecho que gostaríamos de ver, mas é impossível não se compadecer com aquele homem, tentar entender suas dores e torcer para que os dias que virão – e que, portanto, escapam ao filme – sejam cada vez melhores. E talvez por isso que o trabalho de Santiago Esteinou se revele um trabalho de empatia tão genuinamente marcante e distinto.

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