Sob as Bandeiras, o Sol (Paraguai, Argentina, Alemanha, EUA e França, 2025)
Título Original: Bajo las Banderas, el Sol
Direção: Juanjo Pereira
Duração: 90 minutos
O cinema é uma ferramenta importante de arte e entretenimento, mas também de resgate e registro. Obras – documentais ou não – funcionam muito bem para resgatar memórias e registrá-las em filmes que podem encapsular pedaços da história, permitindo que gerações distintas possam buscar tais recortes para entender melhor a sociedade e o mundo em si. E no caso de Sob as Bandeiras, o Sol (Bajo las Banderas, el Sol), Juanjo Pereira condensa 35 anos da ditadura paraguaia ocorrida entre 1954 e 1989 em apenas 90 minutos, utilizando imagens de arquivo que acabam criando uma cronologia e demonstram os mecanismos usados para construir e manter o regime de Alfredo Stroessner.

É inclusive notável como Pereira conseguiu executar uma montagem e um documentário tão incisivo com tantas lacunas a serem preenchidas. Isso porque, como exposto diretamente pelo filme, não é uma tarefa simples encontrar imagens de arquivo para representar tal período, já que no decorrer das três décadas, muito do material foi destruído pelo próprio regime. Assim, o diretor recorre ao que tem em mãos, buscando até arquivos de outros países, para compor um retrato que acaba sendo tão efetivo que, por vezes, acaba soando quase sobrecarregado de informações. Cria um sentimento quase contraditório, pois ao mesmo tempo que oferece muito para absorver, o diretor expõe dificuldades de trazer dados, deixando espaços e contextos de fora.
Da mesma maneira, Pereira se exime de explicar tudo ao espectador, permitindo que o público vá imergindo na obra e interpretando as diversas imagens por si só, que variam em tom em diversos momentos. A linha do tempo é interessante, ainda mais quando colocada sob o viés do contraponto, expondo os olhares do que era produzido dentro do Paraguai e fora dele. Assim, o diretor elabora outro tópico interessante na obra: o papel e o impacto da mídia para direcionar o pensamento das massas. Com isso cria uma conexão direta entre passado e presente, já que não vivemos tempos muito diferentes quando o assunto é desinformação. Stroessner construiu uma imagem sólida durante seus 35 anos no poder, deixando para a posteridade uma lição que é até hoje aplicada com eficiência por jogadores políticos que entram e saem do poder enquanto flertam com regimes fascistas – sejam de maneiras sutis ou óbvias.
Não apenas isso, mas com uma cronologia extensa dos fatos expostos, o diretor consegue demonstrar bem como o artifício da propaganda de Stroessner se consolidou no imaginário paraguaio, a ponto de persistir ainda hoje. É um perigo que poderia ser minimizado com a democratização das informações permitidas pela internet, mas que parece ter sido potencializado por ela, sendo possível, nos dias de hoje, observar repercussões de curto e médio prazo quando a desinformação se torna arma política. Na obra, chega a ser involuntariamente cômico quando o contraste se apresenta com imagens demonstrando a insatisfação do público exibidas com imagens dos governantes reafirmando a aprovação do povo, ou mesmo das mídias internacionais expondo artifícios utilizados pelo ditador. Tudo isso sempre à luz de um sentimento de angústia pelo fato do partido Colorado – o mesmo do período ditatorial – nunca ter desaparecido completamente do poder, sendo o partido do atual presidente do Paraguai.
Sob as Bandeiras, o Sol é ainda por cima muito marcante quando estende seu comentário para fora das fronteiras do país em uma de suas passagens mais emblemáticas: a construção e inauguração da Usina Hidrelétrica de Itaipu. Há novamente, claro, todo um momento dedicado a demonstrar como a mídia utilizou a Usina como parte de sua propaganda política, mas o que chama atenção é que embora construída na fronteira entre Brasil e Paraguai, a Usina foi também objeto de interesse do Acordo Tripartite envolvendo os dois países e a Argentina foi assinado em 1979, época em que os três países viviam sob suas respectivas ditaduras. É uma passagem que deixa claro como a América Latina em si foi bastante assolada por regimes do tipo, algo que seria novamente lembrado pela obra ao expor como o Brasil abrigou o ditador paraguaio após sua deposição.
Juanjo Pereira acerta bastante ao subverter trechos da propaganda de Stroessner em seu Sob as Bandeiras, o Sol, as trazendo para o longa sob um novo viés de interpretação, ao mesmo tempo que elabora e denuncia o poder da mídia quando transformada em arma política. É um documentário interessante e bastante assertivo para que possamos refletir sobre a desinformação propagada hoje enquanto torcemos para que, no futuro, documentários como este não precisem retratar os tempos atuais sob o mesmo viés. Ou será tarde demais?